Agosto Lilás: como a violência doméstica impacta a saúde mental das mulheres
31 de julho de 2023
Tempo de leitura: 10 minutosVocê já ouviu falar em Agosto Lilás? Trata-se de uma campanha de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher.
Além da importância de entender sobre o que se trata esse tipo de violência, é fundamental ter clareza sobre as suas consequências para a saúde mental, afinal, é uma situação que gera grandes traumas na vida da vítima.
Para se aprofundar no assunto, a dica é ler este artigo completo sobre o Agosto Lilás. Confira!
O que é o Agosto Lilás?
O Agosto Lilás é uma campanha que surgiu em 2016, instituída por meio da Lei Estadual nº 4.969/2016, e foi idealizada pela Subsecretária de Políticas Públicas para Mulheres (SPPM) com o objetivo de intensificar a divulgação da Lei Maria da Penha.
Desde então, vem se fortalecendo como uma forma de conscientizar e sensibilizar a sociedade sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher, além de divulgar serviços de atendimento e suporte às vítimas e os mecanismos de denúncias existentes.
Para ficar claro, é importante ter em mente que, de acordo com o art. 5º da Lei Maria da Penha, a violência doméstica e familiar contra a mulher é definida como:
“qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”.
Os tipos de violência doméstica
Para falar sobre o Agosto Lilás, é preciso entender que há cinco tipos de violência doméstica e familiar que, de acordo com o Instituto Maria da Penha, são as seguintes:
Violência física
Trata-se de qualquer conduta que ofenda a integridade ou saúde corporal da mulher, por exemplo:
- Estrangulamento ou sufocamento;
- Tortura;
- Ferimentos causados por armas de fogo ou queimaduras;
- Lesões com objetivos perfurantes ou cortantes;
- Espancamento;
- Apertar os braços, sacudir ou atirar objetos.
Violência psicológica
Condutas que gerem dano emocional e redução da autoestima, prejudique ou perturbem o desenvolvimento da mulher ou tenham como objetivo degradar ou controlar crenças, escolhas e comportamentos.
São consideradas atitudes de violência psicológica:
- Humilhação;
- Ameaças;
- Manipulação;
- Constrangimento;
- Isolamento;
- Perseguição insistentes;
- Vigilância;
- Chantagem;
- Insultos;
- Exploração;
- Ridicularização;
- Limitação do direito de ir e vir;
- Gaslighting.
Violência sexual
Comportamento que constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada diante de ameaça, coação ou uso da força:
- Estupro;
- Impedir o uso de métodos contraceptivos;
- Forçar o aborto;
- Obrigar a fazer atos sexuais que geram desconforto ou repulsa;
- Forçar o casamento, gravidez ou prostituição por meio de manipulação, suborno, chantagem etc;
- Reduzir ou anular o exercício dos direitos sexuais e reprodutivos.
Violência patrimonial
Conduta de retenção, subtração, destruição parcial ou total de objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, valores, direitos, bens ou recursos econômicos:
- Destruição de documentos pessoais;
- Estelionato;
- Privar de bens, valores ou recursos econômicos;
- Controlar o dinheiro da mulher;
- Não pagar pensão alimentícia;
- Gerar danos propositais aos objetos da mulher;
- Furto, extorsão ou dano.
Violência moral
Comportamento que se configura como difamação, calúnia ou injúria:
- Fazer críticas falsas;
- Expor a vida íntima;
- Acusar de traição;
- Emitir juízos morais sobre a conduta;
- Rebaixar a mulher com xingamentos sobre sua índole;
- Desvalorizar a mulher devido ao seu modo de se vestir;
- Acusar de traição.
Como ocorre o ciclo da violência doméstica?
De acordo com a psicóloga norte-americana, Lenore Walker, a violência doméstica costuma acontecer dentro de um ciclo de três fases. Vamos conhecer mais a fundo cada uma delas:
1. Aumento da tensão
É um momento em que o agressor parece irritado e tenso com coisas insignificantes. Pode ter ataques de raiva, destruir objetos, humilhar a mulher e fazer algumas ameaças.
A mulher, por sua vez, tenta evitar comportamentos que possam irritá-lo, procurando acalmar o agressor, o que gera ansiedade, medo, tristeza e angústia.
É comum que, nessa primeira fase, a mulher negue que está sofrendo violência doméstica e esconda os acontecimentos de amigos e familiares. Também é normal que ela busque em suas ações e falas erros que justifiquem o comportamento do agressor.
A tensão pode durar dias ou anos e, quanto mais intensa, maiores são as chances de chegar à segunda fase.
2. Ato de violência
Trata-se da explosão. É quando o agressor se descontrola e age violentamente contra a mulher.
Portanto, a tensão acumulada na primeira fase se materializa em uma ou mais formas de violência (lembrando que são cinco tipos).
Nesse momento, a mulher tem consciência de que o agressor está fora de controle e é capaz de machucá-la de diferentes formas, mas se sente paralisada.
Há, portanto, uma tensão psicológica severa que ocorre por meio de sintomas como insônia, fadiga constante, ansiedade, ódio, solidão, medo, vergonha, confusão etc.
Essa segunda fase é quando algumas mulheres tomam a decisão de buscar ajuda, denunciar o caso, se separar, se esconder na casa de pessoas próximas ou, em situações mais graves, se suicidar.
3. Arrependimento e carinho
Por fim, a terceira fase do ciclo é conhecida como “lua de mel” e muito marcada pelo arrependimento do agressor.
A fim de conquistar a reconciliação, ele age carinhosamente e a vítima, por sua vez, se sente pressionada e confusa. Ele tende a dizer que vai mudar e é comum ela acreditar.
Normalmente, durante um tempo, as coisas se acalmam e a mulher até se sente feliz por perceber os esforços e mudanças de atitude. Visto que o agressor revela remorso, ela se sente responsável por ele, o que fortalece a relação de dependência.
No entanto, a paz não dura muito tempo e um misto de medo, confusão, ilusão e culpa permeiam a vítima quando a tensão volta e o ciclo recomeça na fase um.
Qual é a relação entre violência doméstica e saúde mental?
Casos de violência doméstica são graves, podendo até mesmo levar à morte da vítima, seja pelas mãos do próprio agressor ou porque ela já entrou em um quadro depressivo tão grave que decide tirar a própria vida.
Há uma relação direta entre a violência e os transtornos mentais que podem ser desencadeados e afetar drasticamente o bem-estar e a qualidade de vida da vítima.
Elas estão propensas a desenvolver diversos problemas de saúde mental, sendo os mais comuns:
Transtorno de estresse pós-traumático
É um transtorno que impacta pessoas que sofreram ou foram testemunhas de situações traumáticas.
No caso da violência doméstica, ao recordar as experiências vivenciadas com o agressor, são desencadeadas reações no corpo e na mente. Os principais sintomas costumam ser:
- Taquicardia;
- Sudorese;
- Mudanças no padrão de sono;
- Pesadelos;
- Isolamento social;
- Rejeição de atividades que lembrem a experiência traumática;
- Irritabilidade;
- Pensamentos recorrentes sobre o trauma.
Depressão
A violência doméstica impacta diretamente a autoestima da vítima. Além disso, o sentimento de culpa e a falta de convívio social até mesmo para esconder a situação de amigos e familiares, são fatores que podem desencadear a depressão.
Tristeza profunda, falta de motivação, insônia ou sono excessivo, perda de interesse por atividades prazerosas, medo, pensamentos suicidas e angústia são sintomas comuns em quem sofre com o transtorno.
Ansiedade
Medo, estresse e angústia se tornam grandes companheiros diários da mulher que sofre violência doméstica. Por isso, ela está propensa a desenvolver transtornos de ansiedade como:
- Síndrome do pânico;
- Fobias específicas;
- Ansiedade generalizada.
De acordo com cada diagnóstico, há sintomas físicos e psicológicos específicos que atingem a vítima, mas, no geral, podemos citar alguns dos mais comuns:
- Falta de ar;
- Preocupação excessiva;
- Taquicardia;
- Fala acelerada;
- Agitação;
- Tensão muscular;
- Tontura e sensação de desmaio;
- Enjoo e vômitos;
- Irritabilidade;
- Enxaquecas;
- Boca seca;
- Insônia;
- Dificuldade de concentração;
- Medo constante;
- Sensação de que algo ruim vai acontecer;
- Desequilíbrio dos pensamentos.
Quais são os recursos disponíveis para vítimas de violência doméstica?
Muitas mulheres enfrentam dificuldades para se desvencilhar do agressor e procurar ajuda. Por que isso acontece?
A 2° edição do Jusbarômetro SP – Barômetro da Justiça de São Paulo – Violência contra a Mulher, divulgada em 2021 e encomendado pela Apamagis (Associação Paulista de Magistrados), apontou as principais razões desse comportamento:
- Medo (73%);
- Vergonha de se expor (31%);
- Dependência financeira do companheiro (19%);
- Não confiam na justiça e aplicação das leis (15%);
- Acreditam ser um caso isolado que não vai se repetir (13%).
Por isso, campanhas como o Agosto Lilás são tão importantes, afinal, geram discussões e levam informações sobre o assunto a mulheres que têm medo de denunciar o agressor ou não sabem como sair dessa situação.
Para entrar em contato com a Central de Atendimento à Mulher basta ligar 180. O canal oferece três tipos de atendimento:
- Registros de denúncias;
- Orientações para vítimas;
- Informações sobre leis e campanhas.
Como a terapia auxilia mulheres que são vítimas de violência doméstica?
Além de canais de ajuda imediata, como a Central de Atendimento à Mulher, não podemos deixar de ressaltar a importância da terapia em casos de violência doméstica.
Quando a mulher já está realizando um acompanhamento psicológico há mais tempo e começa a vivenciar casos de violência, o(a) psicólogo(a) pode ajudá-la a enxergar a situação e a lidar com as inseguranças e medos a fim de agir em prol da sua segurança e bem-estar.
Além disso, em casos em que a vítima desenvolve transtornos mentais, a terapia faz parte do tratamento, que, em alguns casos, também pode exigir consultas com um médico psiquiatra.
A terapia deve ser contínua e conduzida com seriedade, afinal, violência doméstica não é brincadeira. Ao longo das sessões, a vítima se sente acolhida e consegue trabalhar melhor os seus sentimentos para que, aos poucos, volte a se sentir segura e equilibrada para viver com mais saúde e paz.
Agosto Lilás: quanto mais falamos sobre violência doméstica, mais mulheres se salvam
Vivemos em uma cultura de violência e discriminação contra a mulher, com abusos que acontecem de várias formas diferentes.
Não é incomum comentários como “mulher direita não bebe”, “se usou essa roupa na rua é porque está pedindo” ou “lugar de mulher é na cozinha”.
Em uma sociedade patriarcal, que banaliza e silencia casos de violência contra a mulher, a mudança precisa começar em cada pessoa que se propõe a falar sobre o assunto e a combater estereótipos que perpetuam atitudes e falas machistas que, posteriormente, podem reforçar agressões ainda mais severas.
O assunto é sério e impacta a vida e a saúde de milhares de mulheres ao redor do Brasil e do mundo.
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