Endometriose e seus efeitos psicológicos
12 de fevereiro de 2017
Tempo de leitura: 7 minutosSempre me interessei pela contribuição que a psicologia pode oferecer à área da saúde. Tenho um interesse especial pelos estudos sobre Endometriose. Após concluir a graduação, realizei aprimoramentos nas áreas de psicossomática, psico-oncologia e psicanálise. Hoje atuo em saúde pública, no Programa de Saúde da Família. Atuo em uma Unidade Básica de Saúde (UBS), e também atendo em consultório. Ambas as práticas são muito enriquecedoras.
Apesar de toda a conscientização por atendimento mais humanizado nos últimos anos, muitas vezes os pacientes não são vistos como um todo pelos profissionais de saúde. Isto interfere negativamente no tratamento. Quando há escuta qualificada e um bom trabalho em equipe multiprofissional, o desfecho costuma ser muito positivo.
O indivíduo precisa ser devidamente informado sobre seu quadro. É fundamental que se sinta à vontade para tirar suas dúvidas e expor sua história. Cada caso é único, mesmo que os sintomas físicos se assemelhem. Com acesso à informação, atendimento de qualidade e acolhimento, é muito mais fácil aderir ao tratamento, e se responsabilizar por ele.
Por conta de aspectos profissionais e pessoais, venho estudando mais a respeito da endometriose, em especial no que diz respeito ao comprometimento da qualidade de vida e aspectos psicológicos. Abordarei um pouco do que expus em uma palestra que fizemos no último final de semana, com equipe multidisciplinar (Fisioterapia, Ginecologia e Psicologia).
A endometriose e seus sintomas
A endometriose é um quadro ginecológico, caracterizado por presença de tecido endometrial (que reveste a parede do útero) fora da cavidade uterina. Pode causar cólicas intensas, provocar aderências entre os órgãos, e interferir na fertilidade e qualidade de vida da mulher. Há tratamentos cirúrgicos e clínicos, mas é um quadro crônico, que sempre exigirá acompanhamento.
O principal obstáculo é a busca por diagnóstico, que leva em média de 7 a 10 anos. Neste período, a mulher acaba se deparando com julgamentos diversos, tanto profissionais, como leigos. A maioria demonstra descaso em relação aos sintomas, o que a leva a se culpabilizar e a se desqualificar, chegando a acreditar que não existe doença alguma. “É frescura; isto é psicológico; engravida que passa; é normal ter cólica; tem um tratamento natural que cura isto” – e por aí vão os palpites, muitas vezes na melhor das intenções.
Os principais impactos decorrentes do quadro – em especial os mais graves ou ainda não diagnosticados – são os seguintes:
– Limitações devido à dor (diminuição da vida social, menor produtividade no trabalho, falta de disposição).
– Sensação de impotência frente aos sintomas, e maior risco para quadros depressivos.
– Aumento de estresse e ansiedade. Em especial quando há pouco acesso a serviços de saúde e não há perspectiva de tratamento possível.
-Prejuízos na vida sexual/afetiva (quando há dor durante a relação, denominada dispareunia).
– Comprometimento da fertilidade (dependendo do caso).
Perfil da Paciente
Há uma série de estudos que propõem um perfil da mulher com endometriose. Segundo eles, há alguns traços comuns entre as portadoras, tais como: ansiedade, auto exigência, elevado coeficiente intelectual, e estresse. Há autores que usam a expressão “doença da mulher moderna”. Associam o quadro à mulheres que se dividem entre suas carreiras e demais demandas da sociedade (família, tarefas domésticas, etc).
Penso que estas hipóteses rotulam e generalizam muito mais do que contribuem para refletir sobre apoio, políticas públicas e formas de prevenção e promoção de qualidade de vida das portadoras. É bastante delicado afirmar que se trata de um quadro que acomete mulheres ansiosas, por exemplo. Pois isto responsabiliza inteiramente a portadora, e ignora tantos outros fatores também atuantes quando se fala em origem da doença. Tais como: predisposição genética, tendência a gestações mais tardias e menarcas mais precoces, menstruação retrógrada, entre outros aspectos culturais, ambientais e orgânicos.
A influência da Ansiedade e Estresse
Ansiedade e estresse interferem negativamente em qualquer quadro de dor crônica (não são privilégio da endometriose) e alteram negativamente a percepção que as pessoas tem de si mesmas e da própria dor. Mas é necessário avaliar caso a caso, e verificar o que veio primeiro: os sintomas psicológicos acima citados ou a dor crônica e demais desconfortos trazidos pela endometriose? A prevalência de depressão em pessoas com doenças crônicas é alta e também foi constatada nas portadoras de endometriose, acometendo principalmente as que referem dor crônica e constante (aproximadamente 80%).
O atraso no diagnóstico e a dificuldade de acesso aos tratamentos, aumentam ainda mais os riscos para transtornos depressivos e outras alterações de humor, pois prejudicam a qualidade de vida daquela mulher. Orientação à família (especialmente ao parceiro), grupos de apoio, psicoterapia, atividade física, práticas de relaxamento e controle da dor são algumas opções de estratégias para lidar com os sintomas e buscar maior qualidade de vida.
Apoio Psicológico
Para elaborarmos medidas efetivas e complementares ao tratamento ginecológico é importante partir da escuta a estas mulheres, a fim de dar voz as suas queixas. O estudo mais interessante que li a respeito propõe que mais pesquisas levem em conta aspectos qualitativos. Temos que ouvir sobre como cada mulher vivencia seu quadro. Ter como meta informá-las e fortalecê-las, a partir de suas necessidades.
Outro estudo destacou a importância dos grupos de apoio e conscientização como instrumento para emponderar as mulheres. A troca de informação de qualidade e de experiências dentro do grupo as auxilia a ter mais condições de lutar por seus direitos, e exigir providências da área da saúde. Acho que o trabalho do blog contribui muito neste sentido.
Se você foi diagnosticada com endometriose ou conhece alguém que esteja nesta situação, não tente atribuir causas à doença. Lembre-se de que cada caso é um caso. Apoie, ouça, não critique ou vitimize. É importante se fortalecer para aceitar o diagnóstico e lidar com o tratamento da melhor forma. Busque tratamento, informação e apoio psicológico. Com o apoio adequado é possível levar uma vida normal, com melhora significativa na qualidade de vida.
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Lívia Burin, psicóloga pela PUC-SP. É especializada em Psicossomática (PUC-SP) e Psico-Oncologia/Luto (Hosp. Santa Paula). Psicóloga clínica há dez anos. Atua com psicoterapia infantil e adulto, orientação a pais/gestantes.
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