A questão do luto em pacientes portadores de doença crônica
28 de julho de 2020
O diagnóstico de uma doença produz uma ferida narcísica e requer todo um trabalho de luto pela perda da saúde ou pela perda do órgão ou de sua função. A doença crônica é definida como qualquer estado patológico que apresente uma ou mais das seguintes características: que seja permanente, que deixe incapacidade residual, que produza alterações patológicas não reversíveis, que requeira reabilitação ou que necessite períodos longos de observação, controle e cuidados.
São produzidos por processos mórbidos de variada etiologia, que por sua relativa frequência e severidade, revestem singular importância médica, social e econômica para a comunidade.
Resumindo, o indivíduo será considerado um paciente crônico se for portador de uma doença incurável.
Luto pelo novo status com a doença crônica
A doença é sentida como uma agressão, gerando um abalo na sua condição de ser, e torna o seu futuro incerto. Muitas vezes a doença se torna o eixo central na vida da pessoa. Esta perda da plena saúde gera a necessidade de um trabalho de luto.
Para Freud, luto é uma reação à perda de um ente querido ou de alguma abstração ou objeto que ocupou o lugar de um ente querido que, neste caso, pode ser a própria saúde.
O trabalho do luto faz com que o sujeito retire seus investimentos libidinais do objeto perdido, no caso sua saúde ou o órgão afetado pela doença. É claro que este processo necessita de tempo para que o ego consiga libertar a libido do objeto perdido, este processo não é instantâneo.
A doença se instala abruptamente, não permitindo uma adaptação gradativa. Isto gera insegurança e ansiedade pois de uma hora para outra, a pessoa vê o seu futuro, os seus planos ameaçados.
Vem o medo da morte ou da incapacidade. Afinal, uma doença é sempre um “aceno” para a morte, uma ameaça à vida. Alguns pacientes se referem ao momento do diagnóstico de uma doença crônica como o “começo do fim” E essa é a base para se pensar as suas angústias.
A doença crônica como protagonista
Uma pessoa sofrendo de uma doença ou de uma dor ou de um mal-estar orgânico só consegue se interessar pelas questões referentes ao seu sofrimento. Todo o resto perde importância. Freud observa que a pessoa enferma retira seu interesse libidinal dos objetos amorosos: enquanto está sofrendo, deixa de amar. A pessoa dirige toda a sua libido para si mesma.
Na escuta de pacientes portadores de doença crônica, observamos o quanto perturbações narcísicas estão em jogo na questão da lesão do órgão. Ele costuma referir-se a si mesmo através do órgão doente ou de seu diagnóstico, passando a ser o “diabético”, o “hipertenso”, o “canceroso”, o “aidético”, e assim por diante. São pacientes que vivem a sua doença e precisam mantê-la, como uma identidade.
O sujeito, pelo menos em um primeiro momento, o do impacto da notícia de uma doença crônica, muitas vezes fica em um estado melancólico. Apresenta então um desânimo geral, falta de interesse pelo mundo externo, desinteresse pelas atividades e pelas demais pessoas, com uma baixa auto estima, chegando a apresentar idéias delirantes de punição.
Observa-se que quanto mais esta posição do sujeito que está doente encontrar reconhecimento na sua realidade social, mais difícil se torna fazer com que ele se desloque do lugar de vítima para começar a se questionar sobre o que o faz sofrer e qual a sua responsabilidade sobre isso. Quando consegue, se inicia uma etapa de se compreender e aceitar a doença para, assim, conseguir vivê-la e conviver com ela.
Foco no sofrimento físico e mental
E isso nada mais é do que um trabalho de luto. O objeto amado, a saúde física, não existe mais. Com isso, a libido deve ser retirada de suas ligações com o objeto (órgão). É claro que esta exigência não é fácil e provoca certa resistência, podendo, inclusive intensificar o apego ao objeto.
Mas, quando o respeito pela realidade prevalece, pouco a pouco o sujeito vai elaborando as lembranças e expectativas às quais a libido está ligada ao objeto (órgão) e o desligamento vai se dando. É uma tarefa dolorosa e difícil mas quando o trabalho do luto se conclui, “o ego fica outra vez livre e desinibido” (Freud, p. 277).
Quando isso acontece, pode-se dizer que a pessoa, apesar de ser portadora de uma doença crônica, não é do ponto de vista psicológico, um doente crônico. Apesar das limitações e restrições que as alterações ou lesões podem gerar, a pessoa pode se adaptar. Assim, a pessoa pode ter uma doença crônica mas não viver como doente.