
Como ter força de vontade
18 de novembro de 2020
Lidamos com este conceito de uma forma prejudicial, e precisamos falar sobre isso.
Quantas vezes você já ouviu ou disse a si que “não tem vergonha na cara” e “precisa ter força de vontade”? Seja para começar ou manter uma dieta, estudos, projetos, exercícios físicos, para resistir a uma tentação ou terminar um relacionamento, todos já nos julgamos ou fomos julgados como fracos por não conseguir.
A concepção de que há uma força de vontade, é o que gera cobrança interna ou externa, e fatalmente, provocará o efeito contrário. Quando acreditamos que não temos força de vontade já entramos no jogo em desvantagem. Pensa comigo: se acreditarmos que esquecemos como andar de bicicleta nem vamos tentar recomeçar sem rodinhas, e perderemos tempo até recuperar a confiança, isso, se antes, não entrarmos em um ciclo de autodepreciação e frustração e desistir.
Mas, por que será que algumas pessoas conseguem e outras não?
Antes de tudo precisamos entender que o que chamamos de força de vontade é efeito e não causa. Em psicologia entendemos força de vontade como resultado de atitudes de autocontrole. A partir daqui adotaremos este termo para falar desta tal força.
Por razões culturais acreditamos que nascemos com algumas características fixas, entre elas a de que uma pessoa nasce dotada de determinação ou não, mas a verdade, é que assim como o autocontrole, muitas outras características são consequência dos resultados da interação entre o nosso mundo interno e externo.
O autocontrole não existe da maneira que conhecemos. Não nascemos dotados com uma força interna que nos move em direção aos nossos objetivos e nos mantêm neles. A motivação que algumas pessoas têm paras se manter em hábitos que escolheram é resultado de comportamentos, e não a causa deles.
Sintetizando bastante, funciona assim: primeiro você faz alguma coisa, como por exemplo, iniciar a dieta, os resultados que temos por inicia-la, como o orgulho de si pelo primeiro passo, planejamento e organização das refeições, a satisfação por conseguir um dia após o outro, e por fim a perda de peso, funcionam como um combustível para se manter nela e para repetir no futuro, caso precise. Esse combustível é o gerador do autocontrole, é quando a sua mente entende que vale a pena traçar estratégias para se manter no foco, e abrir mão de certas coisas como o descanso ou o docinho.
Percebe? Neste exemplo a pessoa não começou porque ela tinha uma força, ela começou porque decidiu, entendeu e aceitou que precisaria planejar a jornada e abrir mão de prazeres imediatos em função de resultados a longo prazo, e resistiu ao desconforto, até que teve acesso a sentimentos envolvidos no processo de auto satisfação. Ela começou apenas com a decisão, a força para se manter veio dos resultados, e até arrisco dizer que veio, também, da consequente tolerância às renúncias que adquirimos no processo.
Passo a passo para ter força de vontade
Veja abaixo um passo a passo de como começar e se manter em um objetivo. Eu vou usar o exemplo dos términos de relacionamento – como iniciar e se manter na decisão, mas você pode usá-lo para qualquer outro, para dieta, estudos, exercício físico, guardar dinheiro, ou qualquer outro objetivo que tiver.
Passo 1
Para começar separe um tempo para refletir sobre as razões de querer conquistar tal objetivo. No nosso caso, manter a decisão de um rompimento. As razões podem ser:
- A interação causa estresse, desconforto, insegurança, baixa autoestima, esses sentimento me paralisam e impactam outras áreas da minha vida.
- A relação me demanda muito tempo e investimento emocional, o que está me adoecendo emocionalmente. Eu já não me reconheço.
- O fracasso dessa relação me leva repetir os mesmos comportamentos com outras pessoas, por exemplo: acabo aceitando convites que eu não gostaria para não entristecer os outros. Já que a pessoa com quem me relaciono tem uma hipersensibilidade e dificuldade em tolerar frustração, então qualquer ‘não’ para ela é insuportável e muito sofrido, além disso ela faz de tudo para ter o que quer e eu acabo cedendo pela insistência e por não querer ver o sofrimento;
- Tenho me afastado de todos. Primeiro pelo tempo que tenho que estar disponível para a relação, e segundo pelo desgaste emocional. Acabo ficando sem tempo e esgotado (a) para outras interações;
- Estou deixando meus objetivos de lado, ou não tenho tempo, ou estou esgotado (a);
Passo 2
Agora reflita nas consequências desse afastamento ou decisão. Elas podem ser:
- Solidão – Se você passou muito tempo se dedicando a uma única pessoa, possivelmente as suas outras relações estarão enfraquecidas e distantes. E como a relação te demandava muito tempo e energia, agora você terá os dois e nada para fazer. Nos primeiros dias pode ser satisfatório descansar de tudo, mas com o passar dos dias virá um tédio, e depois ansiedade causada pela solidão.
- Distanciamento – Como consequência do tempo de afastamento você e seus amigos já não terão mais assunto, e talvez interesses em comum. Não é fácil se reconectar comas pessoas rapidamente.
- Vergonha – É bem possível que você sinta vergonha de retomar as amizades antigas. Pensará elas não estarão dispostas para você, que ficaram magoadas com o seu afastamento. Isso te fará sentir vergonha por ter se distanciado, e vergonha de tentar retomar o contato agora que se sente só.
- Culpa – Provavelmente a pessoa com quem você se relacionava fará de tudo para que você faça o que ela quer. Pode ser insistência, drama, ameaças, carinho, surpresas agradáveis, demonstrações imensas de amor, etc., ou o contrário, se afastará, o que te fará pensar que essa pessoa não tinha sentimentos por você o que também leva a culpa.
- Amnésia emocional – Toda a dificuldade que você estiver vivendo agora parecerá muito maior do que as que vivia no relacionamento, e por uma simples razão: os sentimentos difíceis que estavam presentes na relação, agora estão apenas na memória, em compensação, os sentimentos ruins do término você está vivendo na pele, agora. E advinha o que dói mais? A dor das dificuldades presentes provocam uma espécie de amnésia emocional, a gente esquece como era a dor do passado. Mas bastará voltar a relação que todos os sentimentos ruins virão, e aí acontecerá tudo de novo:, as dores da relação te farão esquecer as dores da solidão e você terminará de novo. E aí esse ciclo de vai e vem se retroalimenta. E é também por uma simples razão: a gente foge do desconforto como o diabo foge da cruz, e por isso se mete em encrencas cíclicas.
- Rejeição e ciúmes – Se você resistir e a pessoa se cansar de tentar, a desistência dela poderá soar como desprezo. Imagina essa situação: a pessoa está lá usando todos os recursos para te fazer desistir, e de repente para. Você se sentirá rejeitada, que fez algo de errado para a pessoa não te amar mais. Lembra da amnésia emocional? Acontece o mesmo, o sentimento de rejeição ‘encobre todo o seu objetivo’. E você passará a sentir ciúme do tempo que te era disponibilizado. E isso te fará querer esse tempo outra vez.
- Saudade – A solidão te fará sentir falta de ter algo para fazer, a vergonha te manterá longe dos seus amigos, e aquela dificuldade de se relacionar te afastará de novas amizades. Essa dinâmica combinada ao sentimento de rejeição e ciúmes, te fará confundir todo o mal estar que está sentindo com saudade. Você pensará que precisa daquele relacionamento, mas na verdade você só precisa ser cercar de coisas e pessoas que te fazem bem, de boas atividades prazerosas para preencher o tempo que ficou vago pelo fim do relacionamento, de ações que ofereçam o sentimento de realização, e de uma boa dose de autoanálise para colocar cada sentimento em seu lugar.
- Pressão – O ex relacionamento e algumas pessoas podem te pressionar para voltar à relação, principalmente se elas também confundirem o seu desconforto, ou até mesmo sofrimento, com a falta do que tinha antes. A pessoa pode também fazer um enorme drama te colocando na posição de vilão, que geralmente é o papel dado pela cultura a quem decide romper. Nem precisa dizer que a força que você precisa para não ceder atende pelo nome de autoconsciência, não é? E um bom terapeuta pode te ajudar nesse processo.
Passo 3
Com essas previsões e autoanálise prontas, é hora de planejar estratégias para não se deixar vencer por nenhuma das consequências acima. E tenha o Passo 1 sempre a vista para não esquecer das razões que te fizeram decidir pelo objetivo.
Veja abaixo algumas dicas de estratégias para as consequências:
- Solidão – Planeje os seus dias com antecedência. Procure não ficar pensando no erros que cometeu, troque o tempo que gastaria com autocrítica, pesquisando e planejando o que pode fazer para ter dias mais interessantes.
- Distanciamento – Se possível escolha os amigos mais compreensivos e comece a se aproximar deles aos poucos, quando se sentir mais segurança e espontaneidade nas interações, invista em outras pessoas. Se precisar use a honestidade, explique que estava com demandas que não sabia como lidar, que te esgotavam. Fale também da importância deles na sua vida.
- Vergonha – É normal sentir vergonha pelos erros e não precisamos ou devemos fugir dela. Aceite-a vergonha e não se paralise. Vai com vergonha mesmo.
- Culpa – Não tenha muito tempo livre, e não fique só. Sempre converse sobre o que está sentindo com alguém que possa te abrir os olhos. Releia a sua listinha de razões, se mesmo assim sentir que não está sendo a melhor pessoa que poderia com quem você rompeu, entenda que nem sempre pareceremos bons quando deixamos alguém na falta, mas é melhor para todo mundo. Nem sempre é errado um soldado abandonar a guerra para preservar a sua vida e deixar a luta com outros. Acredite, por mais que não pareça, se essa pessoa fizer boas escolhas, ficará bem, mesmo sem você por perto. E você não é responsável pelas escolhas de ninguém.
- Amnésia emocional – Escolha uma memória substituta para quando a sua falhar. Seria alguém de confiança que conhece a história e que possa te lembrar de tudo que você sentia antes. Aceite o desconforto. Você vai sentir falta dos bons momentos, isso vai doer, mas passará com um tempo. Porém, continuar em um relacionamento ruim para fugir desse desconforto passageiro, dói por muito mais tempo e talvez para sempre.
- Rejeição e Ciúmes – O mesmo raciocínio da estratégia anterior.
- Saudade – Preencha o tempo que ficou vago. Relembre tudo que você já fez e que te faz muito bem e e invista nisso. Se reconecte com bons amigos, procure se cercar de pessoas que te façam bem, nem que você tenha apenas uma. Não fale com a pessoa com quem você se relacionava. E a próxima estratégia por si só já resolve grande parte do problema: NÃO VEJA AS REDES SOCIAIS DA PESSOA, SE AFASTE ATÉ QUE SE SINTA FORTE. E não confie na sua dedução sobre estar forte, sempre espere mais um dia.
- Pressão – Se você seguiu direitinho a recomendação de se afastar e de não checar as redes, já eliminará a pressão da própria pessoa, para os outros, converse, deixe-os saber o quanto a relação te fazia mal, e peça que não falem do assunto.
Por último, o mais importante, substitua a espera por ter força de vontade para começar algo, por autorresponsabilidade.
Faça o que tem que ser feito. Não responsabilize os outros, o tempo, ou as dificuldades. Se você não estiver sofrendo nenhuma condição de saúde física, mental ou emocional, não há nada que não possa fazer para alcançar objetivos reais e bem planejados. Você só precisa parar de fugir do desconforto e das dificuldades, e enfrentá-los até vencê-los.
A vida exige esforços e esforços geram desconforto, os seus resultados serão proporcionais ao esforço e desconforto que você escolher para si. Não tem fórmula mágica.