Do que as crianças realmente precisam durante o COVID-19

Do que as crianças realmente precisam durante o COVID-19

As crianças que criam vínculos seguros com seus cuidadores levam uma vida mais plena e feliz. 

Pesquisas comprovam que apenas 40% das pessoas desenvolvem vínculos seguros com pelo menos um de seus cuidadores. Se por um lado essa não é uma boa notícia, por outro sabemos no entanto, que as experiências que vivemos no passado não são necessariamente reproduzidas no nosso futuro. E essa é a boa notícia!

Podemos mudar nosso comportamento com nossos filhos apesar do tipo de apego que tivemos no passado, e ter filhos que criam vínculos de apego seguro conosco.

E como podemos fazer isso?

Em primeiro lugar devemos buscar um equilíbrio. Se por um lado negar o passado, não é saudável, ou seja, fingir que nada daquilo aconteceu e que isso não impactou em nada seu desenvolvimento, pode ser extremamente disfuncional.

Por outro lado devemos evitar reviver o passado constantemente, com mágoa e rancor.

Você pode se perguntar… Sim, mas e o que eu faço então?

O importante é entender que o que aconteceu, aconteceu. Se foi negativo faz parte do seu passado e agora como adulto você é capaz de fazer novas e melhores escolhas. Seja aberto a ponto de conseguir entender o que aconteceu sem inundar-se com as sensações negativas.

Ainda parece muito difícil pra você?

Tudo bem. Gostaria que soubesse que isso pode acontecer. Muitas vezes pode ser bastante difícil sozinho, mas saiba você pode buscar ajuda.

Se sentir que pode sozinho tente mudar um pouco a forma de pensar. “Neurônios que disparam juntos se conectam”, e o que isso quer dizer?  Resumidamente, nosso cérebro é interligado, e assim como nos exercitamos e precisamos de treino e prática para ver o resultado, nosso cérebro também precisa de “exercício”, e ele vai se tornando realmente bom naquilo que alimentamos. Quando pensamos nas partes negativas do nosso desenvolvimento emocional e relacionamento com nosso cuidadores e nos focamos no que foi ruim, nosso cérebro vai buscar outras associações negativas. Tornando-se realmente bom nisso. Mas não queremos isso. Queremos boas recordações e sensações positivas. E é isso que precisamos buscar. Seus cuidadores não foram muito justos com você? Tente olhar de uma maneira diferente. Como você se saiu hoje? Se está aqui agora buscando maneiras de ser um melhor cuidador para seu filho, isso já mostra o quanto é motivado e busca o melhor pra ele. O que já te torna um ótimo candidato para ser um cuidador assertivo.

Mas se pra você isso parecer muito desafiador, porque realmente você foi negligenciado por seus cuidadores na infância, você pode buscar ajuda de um terapeuta, e eu recomendo fortemente que o faça.

Agora que já tiramos isso do caminho (que é uma parte muito importante), vamos voltar a atenção para as necessidades dos nosso filhos.

O vínculo seguro

O vínculo seguro é formado quando os pais respondem às necessidades de seus filhos, promovendo o que seriam os 4 S – na versão original em Inglês, que seriam: 

Safe, 

Seen, 

Soothed e 

Secure.

Que podemos traduzir como: 

Sentir-se em segurança, 

Sentir-se visto, 

Sentir-se acolhido e 

Sentir-se Seguro

Sentir-se em Segurança:

Proteger os filhos do perigo e não se tornar uma fonte de ameaça ou medo para a criança. Essa é a primeira função, e normalmente a que a maioria dos pais consegue cumprir sem maiores dificuldades. Levar os filhos ao médico quando está doente, evitar que fiquem expostos a situações de perigo, transporá-los em segurança.

Agora se o cuidador é um abusador físico ou emocional, deve buscar ajuda para mudar esse comportamento que é extremamente prejudicial para a criança. O cuidador deve ser fonte de segurança, nunca uma ameaça.

Sentir-se visto:

Ver verdadeiramente nossos filhos envolve três coisas:

  1. sintonizar-se com seu estado mental interno estando presente,
  2. compreender o que acontece com ele internamente,
  3. responder ao que vemos de maneira oportuna e eficaz

Esse processo de três etapas ajuda a criança a se sentir olhada e reconhecida.

Mas como fazer isso? Aqui vai um exemplo:

Imagine que seu filho pequeno está fazendo uma enorme birra para sair do banho. Ele grita, chora, e se comporta de maneira totalmente inadequada, a ponto de você pensar que tem uma a criança mimada em casa. Esse comportamento faz com que você se sinta muito mal, sua vontade (e a da maioria dos pais) é gritar e dizer que se ele não obedecer vai ficar sem sobremesa, ou qualquer outra punição, mas punição não desenvolve habilidades. E queremos que nossos filhos aprendam a ser mais tolerantes, resilientes e não simplesmente que nos obedeçam. A idéia não é ser um cuidador permissivo, mas assertivo.

E então, o que você deve fazer nesse momento? 

Em primeiro lugar se acalmar. As crises de birra e o mal comportamento dos nosso filhos ativam em nós o nosso pior. E não queremos isso. Então tente agora colocar a mão direita sobre o peito e a esquerda sobre o abdômen e respirar lentamente 3 ou 4 vezes. Faça  a expiração o mais longa que conseguir. Essa forma de respiração ativa nosso sistema parassimpático que diminui nossa ativação e consequentemente  ficamos mais calmos. Além disso com o passar do tempo seu filho vai entender que quando coloca a mão no peito, significa que está tentando se acalmar pra não explodir, e isso já é um sinal importante pra ele de que passou dos limites e com o tempo ele vai tomando consciência disso, e pode até mesmo aprender a se regular.

Nesse momento, já mais calmo, você poderá dizer ao seu filho que o momento do banho acabou, e que ele pode sair com calma ou que você irá tirá-lo de lá ainda que chore ou grite. Dessa maneira você estará sendo assertivo (não permissivo). Se for preciso tirar seu filho ainda esperneando, gritando e sendo inadequado, você poderá dizer a ele o quanto entende que ele está chateado e que é realmente muito frustrante parar de fazer algo tão divertido. Ele vai se sentir visto por você, e mais importante vai perceber que você não se desregula quando ele se comporta mal. O que é também uma forma de ensiná-lo como se comportar em situações parecidas. Se você grita, pune e quase esperneia como seu filho, ele vai aprender a se comportar da mesma forma. 

Quando você se regula e mantêm a calma, ele aprende que situações difíceis acontecem e é possível não perder o controle (pelo menos não na maior parte das vezes). 

Mas e então acabou? Não!

 Depois que seu filho já se sentiu visto e está mais calmo, você vai retomar o assunto agora com ele mas tranquilo, você pode dizer como se sentiu, o quanto aquela reação dele foi inadequada, e ver com ele quais seriam formas melhores dele se comportar da próxima vez. 

E esse é um comportamento que não vai se extinguir na primeira conversa, ou na sua primeira conduta adequada da crise de birra. Outras crises virão, e o cuidador precisa manter o mesmo comportamento adequado, com calma, e se conectando com a criança, e buscando com elas formas mais adequadas de se comportar. É uma construção. São crianças ou adolescentes, e estão em processo de aprendizagem. 

Sentir-se acolhido:

Quando uma criança está em estado de angústia interna, essa experiência negativa pode ser mudada por uma interação com um cuidador que se sintoniza e cuida dela.

Ela ainda pode sofrer, mas não estará sozinha na sua dor. Sabemos que muitos de nós escutamos coisas como : Engole o choro, ou, vou te dar um motivo pra chorar. Tenho certeza que nossos pais fizeram o melhor que podiam com o que tinham e o que aprenderam, mas agora todas essas informações atuais são baseadas em estudos científicos e neurociência. Hoje, sabemos que reprimir os sentimentos não é uma boa estratégia, e afasta nossos filhos de nós. Se hoje ao se sentirem tristes nossos filhos recorrerem a nós e como resposta tiverem um cuidador que não acolhe esse sentimento, no futuro não muito distante irão recorrer a outras pessoas e não a nós. 

Claro que em algum momento eles terão os próprios amigos e vão ter seu próprio espaço de compartilhar seus sentimentos e expectativas com esses amigos, o que é muito saudável e faz parte do desenvolvimento. Mas queremos ser uma fonte de segurança e apego seguro com nossos filhos, e queremos que eles saibam que podem recorrer a nós quando precisarem e que serão acolhidos e reconhecidos em sua dor, e não desmerecidos. 

Sentir-se em segurança:

A criança vai se sentir em segurança, quando tiver os 3 outros S. Quando mostramos que estão seguros, que há alguém que os vê, que se preocupa profundamente com eles, e que vamos acalmá-los na sua angústia. 

Em tempos tão desafiadores como o que vivemos atualmente, o que podemos fazer?

Como podemos fazer com que nossos filhos se sintam seguros, se muitas vezes nós não nos sentimos em segurança?

Devemos manter uma rotina.

Nosso cérebro precisa de previsibilidade. Se antes, as nossas festas de aniversário eram com toda a família e muitas fotos. Não devemos abandonar isso. Que se faça a festa no novo formato, e que a foto seja tirada online e vá para o porta retrato com as outras. Vamos manter as tradições.

Brincar também é uma estratégia muito saudável, ficamos tempo demais sem poder sair, as crianças foram privadas do relacionamento com outras crianças, com seus professores, e muitas vezes até mesmo dos seus familiares. Isso é frustrante e pode ser assustador para uma criança ou um adolescente. É assustador para nós adultos…

Precisamos tornar o ambiente o mais acolhedor e divertido possível. Ter um momento para brincar com as crianças, assistir um filme ou desenhar é muito importante nesse momento.

Para que a criança possa sentir que está segura e que tem algum controle, devemos trocar frases negativas por positivas, como: Em vez de usar “Vamos usar álcool gel para não contrair o vírus e ficar doentes”, usar: “Vamos usar álcool gel para estarmos mais seguros, e protegidos”. Mudando a forma de falar e focando no positivo, a criança tem uma sensação de segurança e não de ameaça.

E lembre-se: Se você quer ser o apego seguro do seu filho em meio a tormenta, você não pode ser a tempestade.

Bibliografia:

The Power of Showing Up 

Daniel J. Siegel e Tina Payne Bryson

Avalie esse artigo:

Comentários:

0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments