Transtorno de estresse pós-traumático e a pandemia Covid-19
15 de abril de 2020
Para muitos, o que estamos vivendo relacionado à pandemia da Covid-19 traz situações novas e com diferentes intensidades de ansiedade. Essas novas situações podem chegar ao ponto de serem traumáticas para alguns, atraindo a necessidade de olharmos com cuidado não apenas durante a pandemia, mas também para o “retorno à normalidade”, para o pós trauma.
Todos estamos vivendo a pandemia de diferentes formas, sendo certo que todos sofremos com os efeitos da Covid-19 em diferentes níveis. A perda de entes queridos, demissões, falta de dinheiro, a vida que virou de cabeça para baixo, os profissionais de saúde que presenciam cenas constantes da luta pela vida, as crianças presas em casa que sentem falta de outras crianças, o distanciamento dos amados e uma infinidade de outras dores. Cada pessoa irá processar essas dores de uma forma diferente.
A questão que quero colocar aqui é que algumas dessas pessoas podem revisitar essas dores novamente quando a pandemia já tiver passado. Esse “depois do trauma” pode ser complicado, exigindo cuidados profissionais.
Essa revisitação é o que chamamos de transtorno do estresse pós-traumático (TEPT). Trata-se de um distúrbio da ansiedade caracterizado por um conjunto de sinais e sintomas físicos, psíquicos e emocionais em decorrência de testemunhar atos violentos ou de situações traumáticas que, em geral, representaram ameaça à sua vida ou à vida de terceiros.
Como é isso na prática? Para quem sofre com TEPT, toda vez que o trauma é lembrado, a pessoa revive o episódio como se estivesse ocorrendo naquele momento e com a mesma sensação de dor e sofrimento que o agente estressor provocou no passado. Essa recordação conhecida como revivescência, desencadeia alterações neurofisiológicas e cognitivas.
Os sintomas podem se manifestar em qualquer faixa de idade e levar meses ou anos para aparecer. Eles costumam ser agrupados em três categorias:
Re-experiência traumática: pensamentos recorrentes e intrusivos que remetem à lembrança do trauma; flashbacks, pesadelos.
Esquiva e isolamento social: a pessoa foge de situações, contatos e atividades que possam reavivar as lembranças dolorosas do trauma.
Hiperexcitabilidade psíquica e psicomotora: taquicardia, sudorese, tonturas, dor de cabeça, distúrbios do sono, dificuldade de concentração, irritabilidade e hipervigilância, entre outros.
Isso significa que toda experiência traumática nos levará a desenvolver TEPT? A resposta para essa pergunta é muito complexa, pois é preciso analisar o evento traumático e suas variáveis, somado à história de vida da pessoa que fez com que ela desenvolvesse ou não habilidades de enfrentamento para situações extremas.
A verdade é que não podemos julgar ou prever como as pessoas lidam com as situações traumáticas, principalmente nós mesmos! Hoje você pode achar que lida bem e até pode ser que lide mesmo. Contudo, nenhum de nós sabe como será o amanhã, o que ainda viveremos e, principalmente, como reagiremos diante dessas situações. Infelizmente não temos controle de tudo.
A boa notícia é que temos uma infinidade de psicoterapias para tratar o TEPT, sendo todas efetivas. Falarei aqui a partir da Terapia Cognitiva Comportamental como tratamos esses traumas e os transtornos por eles causados.
O primeiro passo é identificar, junto com a psicóloga, o evento traumático (agente estressor) que tenha representado ameaça à vida. Frente a isso, a profissional inicia um processo de ensino sobre como a ansiedade funciona no âmbito mental e fisiológico. O objetivo é auxiliar a pessoa a identificar as reações de seu corpo e de sua mente frente a essas situações de ansiedade e trauma.
Com uma compreensão melhor das reações de seu corpo e de sua mente, a psicóloga ensina várias técnicas de relaxamento ou enfrentamento da ansiedade para quando a pessoa reviver na sua mente o evento traumático.
Somente quando a pessoa se sentir mais segura para lidar melhor com a ansiedade ou com o medo é que se dá o próximo passo: buscar entender melhor o evento traumático e repensar tudo que aconteceu.
Essa parte do tratamento é mais intensa, pois demanda reviver mentalmente o trauma.
No entanto, é importante ter em mente que a psicóloga só dará esse passo se o cliente assim desejar, já tiver confiança na profissional e, principalmente, se já tiver as habilidades necessárias para lidar com a ansiedade. Sempre no tempo do cliente e se assim for da sua vontade.
Uma vez que o evento traumático foi falado e explorado em detalhes, habilidades sociais são treinadas e aprimoradas. Por exemplo, muitas vezes as relações sociais são comprometidas no TEPT, pois a pessoa evita lugares ou situações por medo, ou perde assertividade nos seus relacionamentos. O treinamento e aprimoramento das habilidades sociais visa superar ou ao menos diminuir esses impactos
O que mais desejo comunicar por meio deste texto é ESPERANÇA! Quem vive sob a constante do medo, da ansiedade e das reações no corpo que isso causa se sente muitas vezes cansado e sem esperanças. A ideia de que isso possa melhorar é muito distante. Mas não deixe o cansaço vencer. Você não precisa lidar com o medo ou com qualquer coisa sozinho e existe uma infinidade de profissionais que podem lhe ajudar.
Não vencemos o medo sozinhos. É preciso estar de mãos dadas com quem está capacitado para nos ajudar. E quem sabe enfrentar o maior dos nossos medos: expor nossa vulnerabilidade!
A pandemia da Covid-19 vai nos deixar muitos ensinamentos e, talvez, o maior deles é sem dúvida que todos dependemos uns dos outros em algum grau. Se você herdar medos da pandemia que venham lhe visitar com certa constância, não hesite em buscar ajuda. O medo morre de medo da esperança e essa sempre renasce quando os problemas são compartilhados e enfrentados de mãos dadas.