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O alerta vital ou por que isso está acontecendo comigo?

Somos ensinados a ser bons profissionais. Aprendemos a cozinhar, gerir uma casa, fazer pequenos consertos, cuidar do jardim. Muitos de nós aprendem a formar uma família, passar de ano na escola, respeitar o próximo, pagar as contas, quem sabe, até viver em coletividade.

No entanto, ninguém nos ensinou como lidar com os nossos afetos e como eles influenciam nossas vidas.

Quando adoecemos do estomago, tomamos remédio. Quando nosso coração tem problemas procuramos cardiologista. Quando nosso dente dói, procuramos o dentista. Mas quando nossos pensamentos e afetos adoecem…parece que não sabemos o que fazer.

Por que será que conseguimos acolher a doença física, mas a fragilidade dos afetos não?

A cultura que nos afasta de nossos afetos

Desconfio que podem ter questões culturais envolvidas. Algumas vezes relaciona-se desqualificação e fraqueza ou pré-conceito: isso é coisa de louco, uns afirmam. Também não somos estimulados a falar sobre isso. Aqui no Brasil, o tema de Saúde Mental começou a ser abordado na década de 80 e pasmem, apenas na década de 90, políticas relacionadas ao tema foram incluídas no SUS, ou seja, o tema ainda é muito recente nos nossos círculos, mesmo sendo algo tão importante.

O fato é que se afastar dos próprios afetos, ou seja, daquilo que nos afeta, traz consequências. A dor psíquica é real e invade o corpo. É comum pessoas correrem para hospitais com dor no peito, achando que se trata de uma causa física, quando na verdade estão sofrendo de uma crise de angústia. Sim, crises de ansiedade geram taquicardia, pensamentos acelerados, insônia entre outros sintomas podem facilmente se apropriar do nosso corpo.

Me pergunto: será que existe um padrão de saúde mental? Por que quando tiramos sangue, conseguimos ver indicadores que nos dizem se estão dentro de uma referência ou não. Mas, e para nossos afetos, existem referências? Existe um padrão que nos diga o que é ser normal? Acho que não.

Prefiro pensar que todos nós temos histórias singulares e que somos atravessados por acontecimentos que produzem diferentes efeitos nas nossas vidas. Logo, como a diferença é real, torna-se impossível estabelecer qualquer tipo de padrão.

Penso ser mais cuidadoso e pertinente trocar o binômio saúde e doença mental, pela noção do sintoma. Parece que muitos de nós fazem um esforço tremendo para evitar qualquer vivência sintomática. Tudo o que gera desconforto e estranheza, precisa ser eliminado. Parece que esta é a ordem do dia.

Num ambiente onde a felicidade é imperativa, parece que a vida precisa ser uma sucessão de bem estares. Não há lugar disponível para o sofrimento. Como se pudéssemos eliminá-lo de forma definitiva.

Como se permitir escutar os desconfortos da vida?

Para não sofrermos do mal-estar que o sintoma nos causa, procuramos anestesiá-los. Alguns adormecem o sintoma com medicação (não tenho nada contra remédios, entendo-os como suporte necessário em algumas situações, que fique claro), outros se entopem de trabalho, os conhecidos ‘workaholics’, muitas vezes despertados com a conhecida síndrome de burnout. Existem aqueles que fazem adormecer o sintoma com esporte, quem sabe com comida. Existem inúmeras formas de adormecer o sintoma. Entretanto há aqueles que escutam o seu desconforto, demonstrado através do sintoma e o leem como um alerta vital. Acolhem este estranho familiar que nos habita e conseguem formular a pergunta:

  • Por que isso está acontecendo comigo agora?
  • Sempre dormi bem e agora tenho uma insônia continua?
  • Sinto que o ambiente de trabalho é ameaçador. Por quê?
  • Tenho pensamentos recorrentes que se apoderam de mim e em algumas vezes me paralisam. Por quê?
  • Tenho agido de modo defensivo constantemente, e isso tem gerado conflitos no meu entorno. Por quê?
  • Acho que as pessoas querem me fazer mal. Por quê?
  • Não consigo expressar o que sinto. Por quê?
  • Me sinto inferior aos outros. Por quê?

E aqui a lista poderia ser infinita. Para cada um o sintoma chega de uma forma. O elemento comum é um mal-estar muitas vezes não sabemos muito bem definir o que é. E é precisamente nesta hora que é preciso buscar ajuda.

Existem muitas formas ajuda. Gosto de pensar em linhas de força, que te coloquem a pensar e elaborar as suas próprias respostas, a psicanálise é uma dessas linhas.

O trabalho de soltar a palavra, perceber novos significados e exercer um novo modo de vida é algo poderoso. Decifrar o que o sintoma quer nos dizer é algo transformador. Esse tem sido o trabalho que tenho feito comigo, através da minha própria análise e com meus pacientes. Devo dizer que foi o melhor investimento que fiz em mim, e por isso me coloco aqui, compartilhando essa reflexão e experiência.

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