O mito da felicidade permanente
19 de outubro de 2021
“A gente aprende a odiar quem nós somos né?!” Foi um pensamento que me ocorreu enquanto realizava uma de minhas sessões. E essa não é uma constatação válida apenas para meus clientes, também me encaixo nesta dinâmica – uma vez que sou humana e, principalmente, mulher. Isto me fez perceber as várias vezes que entrei em embate comigo mesma por não corresponder a todas as exigências que eu me impunha. Exigências estas que na grande maioria das vezes não eram exclusivamente criadas por mim, mas incitadas socialmente: ser mais magra, mais educada, mais polida, mais disciplinada, mais empenhada, mais inteligente, mais bonita, mais vaidosa, mais interessante, mais, mais, mais… A conta nunca fecha, e nem vai.
A felicidade plena é um mito
Nós somos condicionadas a acreditar no mito da felicidade eterna e plena e que, uma vez atingido este “nirvana” nunca mais teríamos que lidar com nenhum tipo de desconforto muito intenso que interfira neste estado. E se esta existe e nós não a vivenciamos é porque ainda não a merecemos e para tal é necessário fazer/ser mais e melhor. Quem sabe um dia não chegamos lá né?! Enquanto isso seguimos brigando contra o espelho, contra todas as nossas limitações, fragilidades e sentimentos/emoções desconfortáveis que parecem nos afastar deste caminho. As vezes, a gente se dá conta do quanto esta linha de chegada é inatingível, mas então, começamos a acreditar que o problema é nosso, que nascemos com “defeito de fábrica”. E isso gera mais ainda frustração, decepção, raiva, angústia..
Nas redes sociais estamos cercadas de pessoas plenas, usufruindo desta tão desejada felicidade o que corrobora ainda mais com a constatação de que estamos no caminho completamente errado. As pessoas falam sobre autoaceitação, mas, apesar de muitas vezes ser um discurso inspirador, não conseguimos nos identificar com o que está sendo dito, uma vez que é propagado com a ideia de um completo e permanente estado de autoestima, envolvendo todas as particularidades do seu ser e que por isso, você não se abala com nada que venha de fora. Ou então, é uma ideia vendida por pessoas que estão dentro de um padrão de beleza, o que nos faz acreditar que este é um privilégio destas pessoas.
Se você se identifica com o que eu estou dizendo saiba que não é a única e que não está sozinha nessa. Este é um assunto muito discutido em minhas sessões de psicoterapia tanto pessoal, quanto as que ofereço aos meus clientes.
Por que essas ideias são erradas?
E quais são os equívocos destes tão difundidos pressupostos? Bom, em primeira instância, a ideia de uma felicidade permanente é completamente utópica. Como seres humanos, vivenciamos toda uma gama de emoções e estados de humor a todo momento, tanto as agradáveis quanto as desagradáveis, faz parte da nossa condição. Isso por si só já inviabiliza a possibilidade de estarmos felizes o tempo todo. Além disso, somos seres sociais que afetam e são afetados pelo meio em que vivemos. Sendo assim, sofremos os impactos do contexto que nos rodeiam e isso inclui vivencias e acontecimentos doloridos e/ou decepcionantes e/ou injustos e/ou frustrantes. Também pela nossa condição, somos falhos, limitados e inconstantes e plurais. Isso significa que a forma de ser e estar no mundo é muito diversa e subjetiva e que ela vai incluir mudanças, perdas, tropeços, erros, medos, raivas, angústias, frustrações e etc.. Isso não quer dizer que tenhamos necessariamente algo de errado, significa que estamos de fato experimentando o que é viver a plenitude da nossa existência (que abarca nossos potenciais, mas também nossas limitações)
Sendo assim, ao acreditar na felicidade eterna nos afastamos cada vez mais da nossa essência humana. Além disso, nesta tentativa de afastar tudo o que é incômodo da vida, passamos a temer as emoções e experencias desagradáveis, o que nos priva de aprender e compreender o que elas estão comunicando.. Não estou querendo dizer que precisamos estar num estado passivo diante dos acontecimentos da vida, mas sim num movimento de abertura e atenção, aprendendo com os infortúnios e os transformando em algo potente à nossa evolução e crescimento. “Infelizmente evitar os problemas da vida é evitar encontrar soluções pra eles.” ¹
Como já mencionado anteriormente, para viver em plenitude é necessário incorporar não só o lado confortável e prazeroso da vida, mas também os desconfortos, pois um depende do outro pra acontecer profundamente. O mesmo corpo que nos faz sentir dor é o que nos faz sentir prazer e se nos fechamos pra um, acabamos nos fechando pra outro. “Quem teme rejeição evita pessoas; quem teme o fracasso não assume riscos..”²
Nota de rodapé:
1: Citações referentes ao livro: “A força boa do lado obscuro: os aspectos positivos das emoções negativas” de Tod Kashdan e Robert Biswan-Diener. Pág. 21.