O Sofrimento para a Psicanálise
8 de fevereiro de 2021
O sofrimento e angústia, muitas vezes podem advir de uma dificuldade para lidar com os problemas contextuais, sem conseguir dar o devido direcionamento para sua resolução, sem conseguir uma vazão criativa. O sofrimento advém da estagnação da sua própria condição no contexto em que se exige atitudes para elaborar as mudanças necessárias garantindo assim sua própria existência e manutenção dos fluxos das forças vitais. Por isso a psicanálise fala tanto em libido e sexualidade, pressuponho que seja concebida como a força básica e primordial de criação e propagação da vida. Criar, produzir, transformar são meios de se utilizar da libido e dar seu devido fluxo reestabelecendo a homeostase orgânica diante de demandas pessoais. A energia excedente, tendo garantido a estabilidade e subsistência, é manifesta como desejo (expansão/desenvolvimento).
A humanidade como espécie conseguiu cada vez mais reduzir a quantidade de energia necessária para garantir sua sobrevivência e subsistência, diante de nossa capacidade de produzir comunidades em segurança mais energia se torna disponível em nosso aparelho psíquico e mais podemos apreender e produzir intelectualmente. Recentemente encontrei teses de que o alimento cozido teve um impacto substancial no desenvolvimento de nossa espécie e tudo isso pela simples questão da disponibilidade energética, o alimento cozido não demanda tanto do aparelho digestivo quanto alimentos crus. Conseguiram fazer o link entre os temas que estou apresentando?
A psicanálise e seu olhar sobre a humanidade
A psicanálise teve seu notório impacto científico por ter inaugurado outra ótica a respeito da humanidade, implicando em impactos em como se lê as patologias e disfunções mentais, entender que existe um quantum energético circulando (nessa dimensão muito discutida e não localizada da qual nomeamos mente ou subjetividade) e que dialoga com as produções simbólicas, nos permite entender os processos decorrentes dos transtornos mentais construindo uma análise que contempla tanto a dimensão pulsional do sujeito (da “famosa” dimensão Inconsciente), quanto o contexto ao qual o sujeito se coloca e convive, afinal o uso das pulsões depende diretamente do contexto cultural.
Nos constituímos a partir desse diálogo das demandas internas e externas, na busca por conseguir dar vazão aos desejos e pulsões nos ambientes nos quais habitamos é que produzimos a própria existência. A limitação de muitas das óticas utilizadas para estudar a saúde mental humana é justamente não considerar essa problemática, reduzindo o sujeito à um autômato com padrão de funcionamento orgânico e bioquímico, que serve como referência na busca por um reequilíbrio fisiológico, considerando isso, a cura. Mas do que é feito dos desejos e pulsões que demandavam por alguma manifestação? O torpor hoje é visto como a cura e não só normalizamos esse tratamento, como valorizamos imensamente, basta observarem o preço de uma consulta psiquiátrica.
Freud e seus pensamentos sobre a civilização
O grande questionamento Freudiano sobre o “Mal Estar na Civilização” tangencia a precariedade conquanto à preocupação e importância que damos ao assunto presente no estudo do qual eu citei: a disponibilidade energética e como a humanidade utiliza de sua libido. Não é por acaso que crianças são sempre vistas como munidas de um potencial assustador de aprendizado e desenvolvimento, não por acaso se sabe, também, da latência da manifestação sexual nessa mesma fase, não é um momento da vida que se espera que o organismo esteja apto para a reprodução, portanto, mais energia e forças vitais são disponibilizadas às funções cognitivas. Enfim, só para pensarmos em como a psicanálise é rica, e não cabe somente nos assuntos de saúde mental e nas demandas clínicas, mas também, no planejamento de políticas públicas que pensem e considerem as pulsões e forças vitais humanas como um importante recurso para a continuação do desenvolvimento científico e cultural da nossa espécie. Provavelmente ainda estamos distantes de termos essa compreensão e nos apropriarmos desse conhecimento com tamanha eficiência.
Para complementar o raciocínio e evitar mal entendidos, complemento que o texto não é uma reinvindicação por uma moral que estabeleça tabus e contingencie o que cada um faz com sua própria sexualidade, mas convida a pensar sobre os contextos culturais nos quais nos inserimos e quais as dinâmicas pulsionais e energéticas que existem em cada lugar estabelecendo um modo de ser e existir, a busca por um nicho cultural, nada mais é que a busca pela homeostase dessas dinâmicas pulsionais das quais venho falando. Uma vez que não se encontra uma paz interior, se busca um nomadismo geográfico ou uma potência criativa de transformação de seus contextos e culturas o reestabelecimento das próprias demandas internas, se nada disso é feito, se não se entende esse processo e dinâmica interior/exterior, passa a ser só uma questão de tempo o estabelecimento dos transtornos com os mais diversos nomes e diagnósticos já amplamente conhecidos. Mas como toda má compreensão sobre os fenômenos já não basta, ainda consideramos hoje, como cura, o entorpecimento das pulsões como método de produzir a homeostase fisiológica.