O Sonho como enigma
10 de fevereiro de 2021
Mergulhar…
no profundo desconhecido, se perder em uma história sem roteiro, mesclar-se num mar de símbolos, é no sono profundo que despertamos os recônditos da alma e é nele que experienciamos a maior das experiências puramente virtuais, é como uma viagem alucinógena necessária para a própria subsistência da mente, buscando sua homeostase e melhor funcionamento. Freud, em “A interpretação dos Sonhos” trouxe uma compilação dos já existentes estudos presentes na literatura, buscando desenvolver, através de um método científico, o que seria um desenvolvimento das teorias possíveis a cerca dos estudos do sonho.
É bem claro em seu livro a histórica retratação do caráter divinatório, que não aparecem somente em filmes das civilizações gregas antigas, na verdade essa foi uma das linhas de pensamento que perpetuaram ao longo da história, influenciando, inclusive, outros estudiosos mais modernos. Até hoje insistimos em associar símbolos e imagens manifestas durante o sonho com algum possível
fenômeno ou mensagem divina, ainda perdura em nossa cultura a crença de que: quando sonhamos estamos tendo contato com outra dimensão da nossa existência, num universo do qual o corpo físico não é capaz de tanger.
Um outro teórico de renome para a Psicologia é o Jung (Carl Gustav Jung). Jung fez uma outra espécie de estudo da mente, considerando estudar as mitologias de diferentes culturas, compreendeu ser inerente à nossa história cultural a construção de símbolos com representações complexas associadas à diversas características, foi então produzido o conceito de arquétipo para nomear a construção das representações de aspectos e características humanas ou naturais personificadas em signos, como Deuses e Deusas em religiões Politeístas, onde associamos a Raiva, a Guerra, a Força Física a uma mesma figura, Ares/Marte (para exemplificar através de uma mitologia mais próxima, que é a grega/romana).
Mas os arquétipos não se restringiram às religiões politeístas e pagãs, a própria religião católica, que predomina na nossa cultura religiosa, também possui suas construções arquetípicas e coleciona em suas alegorias, representações de qualidades humanas em suas figuras bíblicas, tomando por referência como figuras a serem seguidas e suas qualidades, cultivadas. O mais interessante de tudo isso, é que os arquétipos continuam surgindo, mesmo fora das religiões, pulverizando essa linguagem psicológica para fora dos terrenos religiosos e sagrados. A humanidade a cada dia enriquece e transforma seu modo de olhar a vida e compreender a natureza e não o faz isso somente através da ciência, mas na produção de novas linguagens e símbolos, permitindo assim, novas compreensões de elementos já presentes em nosso cotidiano (é exatamente a mesma dinâmica presente na própria psique, nós também estamos constantemente buscando produzir novos elementos linguísticos para sobrepor o incompreendido).
Um universo a ser explorado, nesse sentido, são os HQs, nos últimos anos a indústria cinematográfica foi embebido pelas diversas representações dos heróis e vilões tanto da Marvel como da DC com suas concepções desde o patriotismo com o Capitão América, até a busca pelo sentido da loucura e da desordem com o Coringa em seu mais recente filme interpretado pelo Joaquin Phoenix. Essas figuras pulsam no imaginário popular quase que como novas divindades, qualidades e aspectos que cada um de nós acredita ser o necessário para que nossa cultura continue a se desenvolver (aqui é quase possível fazer um estudo sobre a correlação da linguagem e suas representações arquetípicas com o desenvolvimento da cultura humana, essa é a explicação da gênese de todas as mitologias já construídas)
Aproveitando o tema que muito inquietou Freud, a ponto de desenvolver um de seus livros mais proeminentes e com maior impacto, o Sonho também foi personificado em uma HQ, dessa vez, escrita por Neil Gaiman o personagem retratado foi o que se chama de Sandman, uma representação moderna de Morpheus, uma figura mitológica grega que também personifica esse atributo da mente humana.
Morpheus ficou bem conhecido como o personagem do filme Matrix, que também não deixa de ser uma outra construção mitológica contemporânea da qual, nem ao menos conseguimos nos apropriar ainda (culturalmente falando), vivemos somente o êxtase da inovação do roteiro e também de suas inovações quanto às técnicas de efeito cinematográfico. As mensagens e sua construção mitológica ainda permanece circulando de forma latente no imaginário coletivo. No texto, vou manter minha atenção à analise desse arquétipo que muito dialogou com o protagonista do filme (Neo) e também explorar um pouco as outras significações que atribuímos ao signo “Sonho”.
Sonho, para além da experiência que temos enquanto dormimos, como um fenômeno de uma reconfiguração de nosso arsenal simbólico ou mesmo emersão de outros símbolos esquecidos no intuito de nos fazer lembrar de algum conteúdo que pode auxiliar-nos a continuar produzindo, no sentido orgânico, de produzir vida, produzir novidades e produzir a si mesmo, é também o substantivo usado para designar nossos anseios e ambições. Nenhuma história da qual eu tenha tido contato, pelo menos das mais populares e contemporâneas, retratou esse aspecto tão bem como o Morpheus em Matrix, esse personagem é marcado, principalmente, por ser aquele que nunca duvidou, sua vontade e apoio ao Neo era incondicional, ao longo de toda a história nos momentos mais críticos que prendem o espectador e lhes provoca a dúvida a respeito da real possibilidade de sucesso na luta contra as máquinas, nunca provocou nele qualquer desses questionamentos.
Sandman, Morpheus, Sonhos ou ambições estão presentes para ser a voz que ressoa mesmo nos momentos mais difíceis, naqueles em que a luta já parece perdida, devemos lembrar e atualizar o sentido ao qual atribuímos a esse arquétipo, devemos lembrar que o protagonista do filme, só conseguiu persistir, porque mesmo quando ele mesmo duvidava de seu encargo de “escolhido” ao papel de vencer a guerra, Morpheus estava ali ao seu lado sempre lhe dizendo que não tinha dúvida alguma de que ele conseguiria realizar a façanha. É o sonho que nos direciona, na vigília ou não, ao sentido que trilhamos nossas vidas e como alcançaremos nossos objetivos. Lembrem-se desse arquétipo que na maioria das vezes se esconde na ausência de cores do cotidiano, e façam luz a partir da escuridão.