Qual a importância do dinheiro em nossas vidas?
12 de novembro de 2020
Há um hábito comum dos menos abastados financeiramente de desvalorizar as formas de felicidade e satisfação que o dinheiro proporciona. É comum dizerem que o dinheiro não compra felicidade, mas te leva pra chorar no Hawaii ou nas ilhas Cayman. Ou que dinheiro não compra felicidade, mas é melhor chorar dentro de uma Mercedes do que dentro de um fusca. Há quem diga que dinheiro não traz felicidade, mas afasta a tristeza, pelo menos de algumas formas. De fato o dinheiro não é necessário ou indispensável para a vida feliz. E o dinheiro também não chega nem perto de ser uma garantia de que haverá felicidade.
O quanto vale “ter dinheiro”?
É importante que quem tem pouco dinheiro não valorize tanto isso de ter muito dinheiro, porque assim a pessoa que tem pouco busca outras formas de ser feliz. Se alguém muito pobre se investe muito em pensar nas felicidades trazidas pelo dinheiro as chances de essa pessoa ser muito infeliz são altas. Apesar das possibilidades de estudar, trabalhar, batalhar para vencer na vida, abrir um negócio, etc, a gente sabe que ganhar dinheiro e ter sucesso financeiro depende de uma infinidade de variáveis que fogem completamente ao nosso controle. Em suma, não há garantias de que estudando e trabalhando muito uma pessoa venha a se tornar rica.
Por outro lado, quem tem muito dinheiro e atribui um alto valor às possibilidades que o dinheiro proporciona tende a ser mais feliz. Isso é importante também, pois se aquela pessoa rica não tem boas relações familiares, ao focar sua vida sobre a construção desses laços as chances de infelicidade serão grandes, mesmo que seja alguém muito rico. As boas relações familiares são tão incertas e incontroláveis quanto o dinheiro. Dá pra perceber que o problema não é ter ou não dinheiro, o problema é o valor atribuído àquilo que se tem, ou não tem. Valorizar o que tem é se sentir de alguma forma satisfeito. Valorizar muito o que não se tem é uma ladeira rumo à infelicidade.
Não é que as pessoas não devam valorizar e buscar o que não têm. É importante buscar coisas novas, diferentes, novas satisfações. A nossa cultura ocidental presa muito pelo desejo e pela busca de felicidade e de realizações. Talvez o grande problema esteja no fato de que essa busca é sempre por algo incerto, algo que pode não acontecer, algo que foge tanto ao nosso controle, que por vezes as pessoas se questionam se devem mesmo buscar aquilo ou não. A busca visa um resultado, mas o resultado tem sempre uma possibilidade de não ocorrer. Se a felicidade individual depende de algo que pode não ocorrer, a felicidade é extremamente frágil. Atrelar a felicidade ao dinheiro ou a uma pessoa específica coloca toda a capacidade de realização pessoal nas mãos da roleta do destino, e por mais que as chances sejam boas não há garantias.
Dinheiro traz felicidade?
A metáfora do alpinista pode ilustrar o que é necessário para que cheguemos na felicidade ou pelo menos próximos disso. Quando um alpinista chega ao topo de uma montanha ele se sente realizado, naquele momento ele conseguiu o que desejava. O que não significa que ele parou por ali, ele ainda vai escalar outras montanhas, e de preferência montanhas cada vez maiores. A satisfação tem esse efeito de nos impulsionar no sentido da busca de uma realização cada vez maior. Mas se esse alpinista tivesse chegado ao topo da montanha usando um helicóptero sabemos que ele não se sentiria realizado. Chegar ao topo da montanha, pisar naquele lugar só tem valor diante de todo o esforço que ele fez para chegar até lá. Podemos inferir daí que a felicidade depende mais do percurso, da própria busca, do que do resultado final.
Assim é com tudo o mais também. Quem tem muito dinheiro e sempre teve não atribui tanto valor a ele. Carros, roupas e comidas caras são uma rotina, que exigiram pouca busca, pouco empenho. O sentimento das pessoas muito ricas em relação às coisas caras que possuem é similar ao do alpinista que chega ao topo de helicóptero. Não há mérito pessoal. E essa percepção por si só já nos mostra que a felicidade não está necessariamente ligada ao dinheiro. Então por que o dinheiro é tão valorizado? Ou por que as pessoas buscam incessantemente ganhar mais dinheiro?
Dada a nossa organização social e o capitalismo, o foco da vida humana se tornou a produção e o consumo. Hoje o maior imperativo na vida das pessoas é que elas devem trabalhar com algo, produzir algo, fazer algum tipo de atividade que permita receber dinheiro em troca. Não é possível ou viável viver em sociedade sem ter uma atividade que traz dinheiro. O fato é que o dinheiro se tornou o grande valor absoluto da nossa sociedade, ele permite quantificar tudo que possa ser medido de alguma forma. Mas o dinheiro não é a fonte de felicidade, porque felicidade não pode ser medida nem trocada por dinheiro. Mas a felicidade depende primeiramente de algumas condições básicas que o dinheiro pode proporcionar, é impossível ser feliz passando fome, por exemplo.
O dinheiro significa possibilidade de troca, e de troca por algo que traz realização pessoal. O dinheiro não é a única possibilidade de conseguir algumas coisas, mas é a possibilidade mais viável para muitas formas de satisfação, e também a mais prático. O dinheiro não carrega consigo necessariamente a possibilidade de troca por felicidade e por satisfação, já que estes são estados internos. O dinheiro possibilita algumas formas de troca, algumas formas de simbolização e alguns acessos a situações mais satisfatórias. O dinheiro é um possibilitador. Com dinheiro posso viajar mais, mas se a viajem por si só não for suficiente ou satisfatória, se eu precisar de uma companhia genuína ou de uma causa para seguir, uma viajem não será garantia de nada disso. O dinheiro permite acesso a novos símbolos e novas formas de lidar com o que há de incerto sobre o desejo. É por isso que é esperado que pessoas mais ricas sejam mais felizes e satisfeitas com a vida.
Há uma questão ética sobre isso, para além da questão social da desigualdade. Considerar o dinheiro indispensável quando não se tem leva à infelicidade. Desconsiderar as felicidades trazidas pelo dinheiro quando se tem muito pode ser problemático, se não houver outras fontes de satisfação pessoal. É mais benéfico e mais importante considerar o dinheiro uma ferramenta nessa busca pela felicidade. Não é pela falta de uma ferramenta que uma tarefa é impossível. É preciso que pensemos o dinheiro como um meio, como uma contingência, como algo que não depende da vontade nem da atitude, porque atribuir a causa das infelicidades a algo que não controlamos nos coloca um beco sem saída. Tirar o dinheiro da posição de objeto do nosso desejo é uma escolha ética.