Ser LGBT: por que lidamos com a culpa?
14 de julho de 2020
Quem é LGBT provavelmente já se viu tentando ser “o/a/e melhor” e vendo que seus esforços, mesmo que muito dedicados, não trazem um sentimento de satisfação duradouro e até despertam o sentimento de culpa.
Às vezes nos percebemos fazendo de tudo para agradar os outros (por muitas vezes se anulando); estudando e aprendendo inúmeras habilidades diferentes para conquistarmos a admiração alheia; almejando uma condição financeira exorbitante para que possamos mostrar para todos como estamos “bem de vida”; entre outras situações compensatórias. Porém, apesar de essas situações serem vistas como coisas boas, não significa que elas nos trarão felicidade.
Culpa: nunca seremos bons o suficientes?
O simples fato de ser LGBT, por muitas vezes, traz consigo um fardo. Esse peso nos faz sentir como se não importasse o que fizermos, nunca seremos bons o suficientes. Isso traz grande angústia e sofrimento para grande parte da população de gays, lésbicas, trans, bissexuais, e outras formas de existir que não as cis-hétero binárias. Mas por que sofremos tanto com isso?
Desde antes do momento em que nascemos, já somos bombardeados com expectativas. “Vai ser menino ou menina?” é uma das primeiras perguntas que a sociedade faz quando uma família anuncia a gravidez. A grande expectativa para saber qual vai ser o sexo biológico do bebê.
E ligada a ela estão as outras, se o bebê nasce com pênis é atribuído a ele, usar azul, jogar futebol, ser travesso. Contudo, se o bebê nasce com vagina as atribuições são as de ser “princesinha”, usar rosa, brincar de casinha. E claro, a atribuição de que, no futuro, aquela pessoa se sentirá atraída sexualmente e afetivamente por pessoas do gênero oposto.
Lidando com expectativas da sociedade
As crianças, como estão em desenvolvimento, são atentas e absorvem informações sensoriais como se fossem pequenas esponjas. Quando adultos, aprendemos a nos comunicar através da fala utilizando palavras e frases para transmitir informações.
Já as crianças absorvem inclusive o que não é dito, feições, trejeitos, comunicação corporal, tônus muscular. As crianças absorvem a piada homofóbica que alguém fez durante o churrasco de família, a feição de nojo de um adulto ao ver um casal LGBT na rua, e com isso aprendem.
E mesmo que a família nuclear seja completamente aberta e ame aquela criança independentemente de gênero e sexualidade, os contextos sociais, da cidade, do país e do mundo, também influenciam nos nossos modos de ser, acabando por também sentir o medo que os pais têm de que seu filho sofra alguma violência na rua, por ser quem é.
Então, o que acontece quando não suprimos as expectativas que nossos pais e/ou a sociedade nos impuseram quanto ao nosso gênero e nossa sexualidade? Alguns de nós acabam por se anular para poder se encaixar em uma sociedade que esperava que fôssemos diferentes, assumindo um papel que não nos pertence, muitas vezes levando uma vida dupla acompanhada de um imenso sofrimento psicológico.
A culpa de não ser quem os outros esperavam
Outros encontram um ambiente mais aberto para que possam expressar seu modo de ser e existir no mundo sem medos. Mas grande parte de nós acaba por se deparar com uma culpa, a culpa de não ser quem “os outros” esperavam, de não ser quem nós “deveríamos” ser. Essa culpa gera um sofrimento intenso, principalmente pelo fato de crescermos aprendendo que ser LGBT é algo considerado errado, perigoso.
Acabamos por viver a vida nos sentindo culpados por algo que não temos como controlar, e essa culpa aparece de várias formas. Algumas pessoas tentam compensar essa culpa em outras áreas da vida. Pode aparecer na busca por ser muito bem sucedido profissionalmente, assim como fazer de tudo para agradar os outros, anulando seus desejos.
Porém, essa culpa vem acompanhada de uma sensação de ser insuficiente, de que nunca estamos sendo suficientemente boas e bons, para podermos ser aceitos, muitas vezes trazendo sintomas de depressão e ansiedade.
Sendo a pessoa que nascemos para ser
É muito importante que possamos nos livrar dessa culpa de sermos a pessoa que nós somos, se aceitar como LGBT é libertador.
É um processo, por muitas vezes difícil, que nos faz entrar em confronto com a sociedade e com as nossas próprias concepções do que julgamos ser certo e errado, implantadas pela nossa criação e pela sociedade na qual estamos inseridos. Se desvencilhar dessa culpa leva tempo, é um caminho árduo mas necessário para que possamos viver uma vida mais plena e feliz.
O processo terapêutico é um grande aliado na jornada de autodescoberta e aceitação de si. Libertar-se de uma culpa que não é sua é fundamental para que possamos viver de uma forma mais leve, sem nos prender às amarras do que a sociedade acredita que deveríamos ser.