Sobre as compulsões e suas dinâmicas mentais
29 de janeiro de 2021
É claro para você saber qual é sua necessidade no momento? Quero dizer: é nítido que muitas vezes deslocamos nossas necessidades e a preenchemos com outros elementos que não aquele do qual realmente precisamos. Um exemplo claro desse fenômeno, e muito ilustrativo, é a
compulsão alimentar (ou qualquer outro vício), o vício, antes de mais nada, é a tentativa de suprir algo que não se supre, um fenômeno que chamo de “desvio de finalidade” onde se busca saciar demandas secundárias através de um artifício, o que acaba por decorrer na vivência de uma repetição. Somos seres dotados de linguagem, dotados de uma dimensão psíquica e simbólica, sabendo disso, passamos então a enxergar o mundo de outra maneira, nossa composição simbólica e psíquica também constitui nossa percepção. Nos apropriamos dos recursos ao nosso redor sempre dialogando intrinsicamente com nossas próprias demandas psíquicas.
Nossos desejos ou ambições, são reflexos de uma dinâmica abstrata presente em nosso Inconsciente. Os relacionamentos que estabelecemos condiz, também, com o que buscamos quanto à nossa realidade psíquica, são elementos, qualidades, aspectos que gostaríamos de introjetar e possuir, produzindo afetos e vínculos. Não há nada que façamos no contato com o mundo externo sem a mediação simbólica, sem antes atravessarmos a abstração de nossa subjetividade, crenças, valores, paradigmas, percepções.
A busca pela transformação da mente
Por isso, em nós, desponta uma intuição, diante de repetições ou vícios fica mais aparente que estamos imersos numa espécie de dinâmica psíquica que não se elabora, nesses momentos da nossa vida somos como ratos presos em um cubículo correndo numa roda que não nos tira do lugar e por mais que haja mudanças externas, se existe a presença da angústia, da ansiedade, dos questionamentos que parecem nos levar a lugar algum, há também a necessidade de transformação da nossa mente, nosso campo simbólico também demanda por transformações, a clínica está aí para propiciar esse processo, trabalhando as forças que agem à favor da produção de novas realidades.
A compulsão se configura diante de uma dinâmica inconsciente, na qual não se manifesta ou não se recorda a origem de seus impulsos, pelo menos, não há manifestações racionalizadas ou conscientes. Os conteúdos que não podem ser recordados pelo paciente são manifestos pelo ato ou ação. A reincidência desses conteúdos que insistem em ser elaborados e manifestos, quando não explorados simbolicamente, provoca uma ação reincidente, a repetição é a melhor maneira que o aparelho psíquico conhece, até então, para extravasar o conteúdo reprimido. A fala, por parte do paciente, no processo analítico, é o que possibilita a busca pela elaboração das experiências e recordações dessa dimensão aparentemente intangível.
A tentativa de descarga pulsional encontra vazão na única ação que apresenta ao aparelho psíquico a possibilidade de realização/satisfação. Digamos que é um “vício mental”, uma releitura de um fluxo de dispersão que já funcionou outras vezes, é como percorrer sempre o mesmo caminho para chegar à um destino específico com um carro. No caso das compulsões é possível redirecionar essas pulsões de maneira a produzir outras formas de dispersão, dando maleabilidade e flexibilidade na maneira de dispersar uma energia psíquica que insiste em buscar um destino.
A mente e os gastos de energia psíquica
A mente ainda é uma dimensão humana pouco estudada e explorada, não damos a devida importância para esses estudos, afinal a nossa ampla capacidade de aprendizagem e de compreensão do mundo é o que nos diferencia de todas outras espécies animais. Tudo isso só existe graças a utilização da linguagem, é justamente a linguagem que nos permitiu produzir a ciência e transmitir conhecimentos cada vez mais complexos a respeito do mundo. A nossa mente tem como matéria prima essa energia pulsional, é justamente ele e sua força que nos permite apreender e nos desenvolver. Ou seja, o problema da compulsão, é também uma questão de gastos excessivos de energia psíquica.
Com o tempo de existência tendemos a enrijecer cada vez mais a nossa composição e estrutura mental, tendemos a direcionar nossas energias psíquicas para o destino mais fácil e de melhor resolução, esse texto se dedicou a explorar um pouco da dinâmica das compulsões, mas vivemos nosso cotidiano buscando repetir os rituais que nos permite descarregar as tensões de um dia cheio de trabalho, ou mesmo do estresse das atividades cotidianas e dos problemas a serem resolvidos. Não há como pensar numa compulsão que não tenha como plano de fundo uma resistência à transformação simbólica/psíquica.
A análise é uma exploração detalhada da estrutura mental e de seu comportamento diante das demandas pulsionais inconscientes, o cuidado com a saúde mental, também é, como já disse, cuidar para que a matéria prima da nossa capacidade de construir nossa compreensão a respeito da realidade, a respeito das nossas próprias vidas, das nossas relações e desejos, seja preservada assim como nossa capacidade de nos transformar diante de novos desafios e demandas externas.