Suicídio – Outra saída é possível
23 de julho de 2020
O suicídio continua sendo um tabu muito grande ainda hoje. São muitas as dúvidas, os preconceitos e os medos que se colocam quando abordamos esse assunto. De forma geral, o maior tabu é o de que falar sobre isso estimularia as pessoas que estão pensando em suicídio a passar ao ato.
Falaremos sobre o que pode levar alguém a tomar tal atitude e sobre como lidar com essa situação, apontando fatores de risco e de proteção na tentativa de ajudar não só as pessoas que se veem diante dessa questão, mas também amigos e familiares dessas pessoas.
Suicídio como último recurso
O suicídio é um ato extremo e demonstra um sofrimento e uma angústia muito grandes, diante dos quais a pessoa não enxerga outra saída. Um fenômeno complexo, que tem a influência de muitos fatores, e sem pretender esgotar todos esses fatores falaremos de alguns deles e do que podemos fazer com isso.
É muito comum o aparecimento de um sentimento de isolamento, de uma impossibilidade de estar com o outro e de compartilhar esse sofrimento, o que gera um sentimento de culpa grande que se soma ao isolamento e ao sentimento de inadequação, agravando um sofrimento já muito intenso.
Como então acessar essas pessoas? Como acolhê-las e ajudá-las a não chegar a uma atitude desesperada? Antes de tentar responder essas perguntas, vejamos o quanto esse problema afeta a população aqui no Brasil.
Dados do suicídio no Brasil
Segundo o Perfil Epidemiológico divulgado em setembro de 2019 pelo Ministério da Saúde, o suicídio entre jovens vem aumentando no Brasil. Entre os anos de 2011 e 2018 registrou-se um aumento de 10% nos suicídios entre jovens de 15 a 29 anos. Dados da Organização Mundial da Saúde colocam o suicídio como a segunda maior causa de óbitos entre os jovens, atrás apenas dos acidentes de trânsito.
Em sua maioria, esses jovens eram homens (79%), negros (54,9%), com 4 a 11 anos de estudo (58,2%), e solteiros, viúvos ou divorciados (84%), o que entre mulheres também acontece. Ou seja, eram pessoas que tinham menos vínculos e laços afetivos, que estavam mais isoladas, o que nos mostra o quanto é importante o acolhimento e a relação com o outro como fator de proteção ao suicídio. Outro fator de proteção importante é procurar ajuda.
Ter um espaço para falar sobre esse sofrimento, pode ser a diferença entre a vida e a morte. Ao falar compartilhamos nossa dor com o outro, dividimos o fardo que carregamos, nos sentimos acolhidos quando somos escutados. Ao falar damos um sentido para o que vivemos e entendemos melhor onde nos localizamos no mundo, na nossa vida e na vida do outro. A palavra tem esse efeito de nos situar e de nos localizar, e mais do que isso, de diminuir nossa angústia diante de todas essas questões.
A perda do sentido da vida
É muito comum em pessoas deprimidas, outro fator de risco para o suicídio, um sentimento de perda do sentido da vida. Os questionamentos que surgem são sempre em relação ao que fazemos aqui, ao que significamos para o outro, ao que nos dá prazer e nos faz sofrer nessa vida.
Em grande parte, o sofrimento decorre de não encontrarmos respostas para essas perguntas, de não termos referências que justifiquem o fato de estarmos aqui, o que nos leva a esse sentimento de não ter um lugar e de não ter um sentido para a existência.
Essa falta de sentido e essa dor são tão grandes que algumas pessoas chegam a se cortar como forma de dar um destino para essa dor, de transformar essa dor sem sentido em uma dor física, de encarnar essa dor. Esse também é um fenômeno cada vez mais comum entre os jovens e um sinal de alerta para o risco de suicídio.
A perda das referências pessoais
A perda dessas referências que nos situam e que nos dão sentido e motivo para estarmos aqui, nos coloca diante dessa dor e angústia para as quais parece não haver saída. Estar com o outro, criar e reforçar esses laços, por outro lado fazem com que tenhamos um lugar no mundo.
Essa ligação afetiva e significativa com o outro é algo que nos ancora, que faz com que nos sintamos pertencentes a algum lugar e com que possamos romper esse isolamento.
Mas essa ligação também vale para as coisas que fazemos, coisas que um dia nos deram prazer, nossa profissão, nossos ideais, enfim, tudo o que nos dê um lugar no mundo. O reconhecimento e o pertencimento dão sentido para a nossa vida, evitando, assim que se busque uma saída definitiva dela.
A perda de objetivos
Claro que para alguém que sofre justamente pela dificuldade em encontrar sentido e pertencimento essa não é uma tarefa simples. A perda do emprego, a falta de perspectiva no mercado de trabalho, o fim de um relacionamento, a perda de alguém próximo, a descoberta de uma doença ou outras perdas, abalam toda a nossa estrutura e nos jogam diante dessa falta de sentido e de referências.
A sensação de que vivemos em um mundo que não nos dá motivos para permanecer é insuportável. Assim, é preciso que busquemos formas de reconstruir essa estrutura que nos localiza no mundo, através de um processo de busca e reencontro.
Nesse sentido, o esporte, o lazer, a cultura e os vínculos sociais são muito importantes, pois nos ajudam a dar sentido e pertencimento que precisamos tanto para estar aqui. Mas para esse processo todo é preciso tempo.
A relação do suicídio com a convivência social
Quando falamos em tempo, precisamos falar em como nossa sociedade vê a passagem do tempo hoje. Vivemos em um mundo em que tudo acontece muito rápido, em que tudo está muito conectado.
Os eventos que acontecem do outro lado do mundo rapidamente nos alcançam e nos afetam. O tempo em que vivemos é sempre o tempo do agora e buscamos cada vez mais uma resposta imediata.
Há sempre um sentimento de urgência e de que tudo precisa ser resolvido imediatamente. Nós desaprendemos a esperar, esquecemos que para algumas coisas o tempo é necessário e indispensável. E isso tem consequências.
Nossos jovens se acostumaram a ter uma resposta rápida para tudo e a serem cobrados por isso, sempre de olho na próxima demanda. Isso acaba por criar uma relação com todas as coisas que produz muita ansiedade.
O estigma das mídias sociais
Além disso, as redes sociais, outro grande fenômeno em nossa sociedade, geram uma superexposição de nosso cotidiano e de nossa imagem. Tudo é transmitido para todo mundo, tudo é compartilhado na rede sem que, no entanto, se crie um vínculo significativo, aumentando o sentimento de isolamento.
As imagens compartilhadas são sempre cenas maravilhosas, de momentos felizes, onde todos estão se divertindo, como se a vida fosse um constante comercial de margarina.
Só que ninguém é feliz o tempo todo. Essa promessa de felicidade eterna acaba criando, por um lado, uma cobrança para que todos alcancem essa felicidade e, por outro, uma constante frustração por não conseguirem.
A cobrança por atingir esse ideal e a frustração por não conseguir, somadas a esse imediatismo, faz com que se produza muita ansiedade nos indivíduos. A ansiedade é outro grande fator de risco para o suicídio, e junto com a depressão, é um dos transtornos mentais mais comuns.
Precisamos ganhar tempo frente ao suicídio
O tempo, portanto, é um fator determinante quando falamos em suicídio. Tempo para lidar com essas perguntas que angustiam, tempo para construir um sentido, para buscar outras respostas diante do isolamento e do sofrimento.
Quanto antes a pessoa souber como buscar ajuda, mais tempo terá para tratar de cada uma dessas questões. Mas diante da urgência, diante da impulsividade, como ter esse tempo?
A medicação em alguns casos pode ajudar a diminuir essa angústia, para que a pessoa consiga chegar em um atendimento psicoterápico, ganhando um tempo importante para que ela possa ser escutada.
Em outros, o próprio ato de falar já vai diminuir essa angústia. É importante avaliar cada caso, já que a medicação pode ajudar com os sintomas, mas a escuta é fundamental. Outra coisa fundamental é o acolhimento.
A diferença que faz o acolhimento
Muitas pessoas chegam nos atendimentos inseguras, com medo do julgamento do outro por terem tais pensamentos, por precisarem de terapia ou por necessitarem de medicação. E isso por si só aumenta o sentimento de isolamento. O preconceito apenas torna maior esse sofrimento tão intenso que o sujeito já traz consigo.
Nesse sentido, é muito importante que a pessoa se sinta acolhida pelo terapeuta, mas também pela família, pelos amigos e pela sociedade. Como já pontuamos, o pertencimento é algo que nos dá um sentido e algo pelo qual estar aqui.
Precisamos, enquanto profissionais, enquanto sociedade e enquanto sujeitos que sofrem, falar sobre o suicídio e sobre o sofrimento psíquico de forma mais aberta e sem tanto julgamento, para não aumentar um sofrimento que pode se tornar tão insuportável a ponto de levar essas pessoas a algo tão extremo.
Antes terminar, deixo ainda a cartilha do Ministério da Saúde sobre prevenção de suicídio e um apelo a todos que sofrem. Procurem ajuda!