A importância da saúde mental na prevenção de acidentes de trabalho
7 de dezembro de 2023
Tempo de leitura: 14 minutosA cada 3h47 um trabalhador morre pela inadequada prevenção de acidentes de trabalho no Brasil, de acordo com o Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho, uma parceria do Ministério Público do Trabalho e da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Mas isso não é novidade. Nosso país tem um histórico alarmante no que diz respeito ao cuidado com a vida e a saúde dos trabalhadores.
Hoje, além dos acidentes e das doenças ocupacionais que afetam diretamente a saúde física dos profissionais, a atenção também está sendo voltada para a saúde mental.
Um em cada 10 profissionais enfrenta problemas de saúde mental devido ao seu trabalho nos EUA, ultrapassando os acidentes de trabalho tradicionais.
As maiores lesões no local de trabalho (52%) estão relacionadas ao estresse e à ansiedade, mostrou uma pesquisa realizada pela agência de Administração de Segurança e Saúde Ocupacional, da Secretaria de Estatísticas Trabalhistas dos Estados Unidos.
A cada dia que passa, entendemos melhor como a saúde física e mental dos profissionais se influenciam mutuamente e como é fundamental enfatizar a segurança psicossocial para a prevenção de acidentes de trabalho.
Neste texto vamos falar sobre:
A importância da prevenção de acidentes de trabalho
Prevenir acidentes de trabalho com o objetivo de cuidar melhor das pessoas, proporcionando maior qualidade de vida para elas, deveria ser um argumento suficiente para as empresas investirem na área.
Mas o Brasil tem uma história bastante trágica em relação à saúde e à vida dos trabalhadores, como mostramos em dados.
Perceber o custo de doenças e acidentes de trabalho para a economia é o que tem direcionado maior atenção para a saúde ocupacional.
Segundo o Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho, estima-se que doenças e acidentes de trabalho produzam a perda de 4% do PIB global a cada ano. No Brasil, isso corresponde a aproximadamente R$300 bilhões, considerando o PIB de 2020.
Qual a diferença entre acidentes de trabalho e doenças ocupacionais?
O tema Saúde e Segurança do Trabalho (SST) tem sido amplamente estudado, dispondo de vasta literatura sobre o assunto, além de leis e normas regulamentadoras.
A ideia deste texto não é aprofundar nos aspectos legais, mas é importante distinguirmos três termos de acordo com a Lei antes de prosseguirmos: acidente de trabalho, doença ocupacional (ou profissional) e doença do trabalho.
Acidente de trabalho
De acordo com a Lei 8.213/91, que fala sobre os s planos de benefícios da Previdência Social:
“Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço de empresa ou de empregador doméstico, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho”.
Também são considerados acidentes de trabalho os que ocorrem no percurso de ida ou de volta da atividade profissional.
Doença ocupacional
A doença ocupacional, também conhecida como doença profissional, é a resultante de atividade diretamente relacionada à função do trabalhador.
Por exemplo:
- lesões por esforço repetitivo (LER),
- casos de intoxicação,
- problemas de visão ou audição,
- entre outros.
Questões de saúde mental, quando relacionadas diretamente ao trabalho exercido, também são consideradas doenças ocupacionais.
Além da ansiedade e da depressão, que, como dissemos, estão entre os acidentes de trabalho mais comuns, a síndrome de burnout também tem tido um crescimento constante segundo os dados do relatório The State of Workplace Burnout 2023.
Em 2022, ela passou a ser considerada como doença ocupacional pela OMS, de acordo com a lista da CID-11, motivo pelo qual tem preocupado ainda mais as empresas.
Com isso, os profissionais acometidos por Burnout têm os mesmos direitos trabalhistas previstos para qualquer doença ocupacional.
Doença do Trabalho
Já as doenças do trabalho estão relacionadas às características do ambiente onde é exercido o trabalho, mas não tem relação direta com a função exercida. É um detalhe bem sutil, mas é possível diferenciar.
Por exemplo: Uma pessoa que realiza um trabalho administrativo em um ambiente com ruído forte e constante, como uma fábrica, pode desenvolver problemas auditivos.
Essa condição é considerada doença do trabalho e não doença ocupacional, pois a função exercida pelo profissional não estava diretamente relacionada com a doença adquirida, mas era realizada em um ambiente que lhe provocou o problema.
A Lei 8.213/91 define doença do trabalho como “a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado”.
Já a doença ocupacional é definida como “a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade”.
As doenças ocupacionais (ou profissionais) e as doenças do trabalho são também caracterizadas como acidentes de trabalho de acordo com a Lei e podem render ao trabalhador auxílio-doença e aposentadoria por invalidez após perícia médica.
A lei também determina que “a empresa é responsável pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador”.
Portanto, além dos prejuízos financeiros que os acidentes de trabalho podem causar decorrentes da queda de produtividade, a legislação brasileira ainda prevê penalidades para as empresas que deixarem de cumprir as normas de segurança.
O impacto da saúde mental na SST
Transtornos mentais decorrentes da atividade profissional são a terceira maior causa de afastamento no Brasil, de acordo com o Instituto Nacional de Segurança Social (INSS).
Mundialmente, estima-se que 12 bilhões de dias de trabalho são perdidos todo ano por conta de problemas de saúde mental dos trabalhadores. Isso tem gerado uma perda de cerca de US$1 trilhão à economia global, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Devido a esse cenário gritante, em 2022, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a OIT pediram aos governos e às empresas uma ação concreta para lidar com questões de saúde mental na população ativa.
As duas entidades desenvolveram diretrizes para orientar as práticas nesse sentido e elas estão baseadas em três pilares:
- prevenção;
- proteção e promoção;
- suporte.
A prevenção está focada no gerenciamento de riscos. A orientação é “remodelar os ambientes de trabalho para minimizar os riscos psicossociais e evitar que os trabalhadores sofram problemas de saúde mental”.
A proteção e a promoção estão relacionadas com o reforço da sensibilização, das competências e das oportunidades necessárias para reconhecer e agir precocemente em questões de saúde mental, protegendo todos os trabalhadores.
Isso deve ser feito por meio da capacitação em saúde mental de gestores e trabalhadores.
Além de promover ambientes de trabalho mais saudáveis, a ideia dessas formações é que cada profissional tenha capacidade individual de gerenciar o próprio estresse, aumentando a resiliência, e lidar com maior desenvoltura com os desafios do dia-a-dia.
Já as ações de suporte devem ser concretizadas por meio da oferta de condições de trabalho que proporcionem maior saúde mental aos profissionais de maneira que eles possam continuar trabalhando e crescendo na organização.
Para as empresas, isso implica em oferecer estrutura material adequada, como boas instalações, equipamentos adequados e cultura organizacional voltada para a segurança psicológica.
Além de programas de suporte para a reintegração às atividades laborais após um período de afastamento de algum funcionário.
Como vemos, tanto as organizações internacionais, quanto as autoridades nacionais, enfatizam a importância da saúde mental corporativa na prevenção de acidentes de trabalho.
Está muito evidente o impacto que a saúde mental representa para a Saúde e Segurança do Trabalho e, consequentemente, para a economia global.
Por isso, é preciso que seja uma prioridade das empresas olhar com maior responsabilidade e proatividade para os fatores causadores de insegurança psicológica no ambiente de trabalho.
Fatores de risco para a saúde mental no ambiente profissional
Na missão de serem mais assertivas na prevenção de acidentes de trabalho, as empresas e as lideranças devem estar atentas aos fatores de risco proporcionados pelo ambiente.
Veja alguns:
Ambiente organizacional tóxico
O que é um ambiente organizacional tóxico?
De maneira geral, é qualquer local de trabalho que ameaça constantemente a saúde mental ou física dos colaboradores.
Isso costuma acontecer em contextos onde não há espaço para o diálogo e a diversidade, em que os funcionários são sobrecarregados, passam por situações de assédio moral, etc.
Como resultado, a comunicação interna é ruim, cheia de ruídos, fofocas e com pouco ou nenhum feedback construtivo; também faltam orientação, suporte emocional e oportunidades de crescimento.
Sobrecarga de trabalho e/ou função
Dar mais responsabilidades e tarefas a um colaborador do que ele é capaz de cumprir, a longo prazo, é o caminho para o esgotamento profissional.
Isso desregula o equilíbrio entre vida pessoal e trabalho, além de prejudicar seu engajamento e ter muitas outras consequências negativas.
Além do alto nível de estresse, sintomas de ansiedade e depressão também podem aparecer, complicando ainda mais sua saúde e abrindo as portas para o desencadeamento de transtornos de personalidade, por exemplo, ou doenças crônicas.
Líderes abusivos ou negligentes
As lideranças têm um papel fundamental na construção de ambientes saudáveis. Uma pesquisa realizada pela consultoria Robert Half revelou que 94% dos profissionais consideram que a satisfação no trabalho é influenciada pela atuação dos líderes.
Isso é tão real que nas diretrizes da OMS e da OIT com relação à saúde mental nas empresas, um dos pilares foca justamente no treinamento dos líderes.
Bullying e assédio
Atitudes de discriminação e preceonceito não devem ser toleradas no ambiente de trabalho, mas ainda há muito bullying e assédio disfaçardo de brincadeira nas empresas.
A vigilância precisa ser grande por parte dos líderes e dos gestores de RH. Eles também precisam dar exemplo e incentivar os comportamentos que esperam dos demais colaboradores.
Jornadas inflexíveis
Notou que um dos pilares da OMS/OIT fala em “remodelar os ambientes de trabalho para minimizar os riscos psicossociais e evitar que os trabalhadores sofram problemas de saúde mental”?
Na prática, isso inclui também jornadas de trabalho mais flexíveis, com a possibilidade de trabalho remoto e híbrido.
Estratégias para promover saúde mental no trabalho
O cenário não está favorável e as empresas precisam agir em direção à promoção da saúde mental dos seus trabalhadores com ações consistentes e estratégicas urgentemente.
Não é suficiente falar sobre o assunto durante o Setembro Amarelo ou em outros momentos pontuais durante o ano. O foco em saúde mental e prevenção de acidentes de trabalho deve fazer parte do planejamento estratégico das organizações.
As que não fizerem isso acabarão pagando um preço alto, correndo o risco de comprometer sua existência sustentável no futuro.
A seguir, veja algumas ideias sobre as empresas podem fazer para cuidar melhor dos colaboradores.
Obter um diagnóstico de saúde mental
Uma das primeiras atitudes a tomar antes de colocar em ação estratégias para promoção da saúde mental é realizar um diagnóstico.
O objetivo é descobrir como anda o estado de saúde dos colaboradores, quais os fatores de risco que o ambiente de trabalho oferece, quais as necessidades prioritárias das pessoas e quais iniciativas para mudar o cenário são valorizadas por elas.
Ter respostas para essas questões é fundamental para criar um plano de ação coerente com a realidade da empresa e o perfil dos funcionários.
Fazer rodas de conversa e workshops com especialistas
Sabemos que problemas de saúde mental ainda são um tabu na sociedade, especialmente no ambiente de trabalho, onde os profissionais ainda têm receio de expor suas vulnerabilidades.
Mas não dá mais para continuar assim. Precisamos quebrar o tabu e falar cada vez mais sobre o assunto.
Uma iniciativa que costuma fazer muito sentido para a maior parte dos contextos corporativos é a oferta de informações seguras por meio de rodas de conversa e treinamentos com especialistas.
Essas ações ajudam a sensibilizar os colaboradores sobre a importância de priorizar os cuidados com a saúde psicoemocional, além de ensinar práticas para prevenir o adoecimento e para ajudar quem está precisando.
Investir num programa de saúde mental
O diagnóstico de saúde mental é uma prioridade antes de investir na criação de um programa. Isso porque ele vai direcionar as ações de maneira assertiva.
Quais rotinas, processos, tarefas e relações não estão sendo benéficos para os trabalhadores?
Como é possível realizar mudanças que satisfaçam suas necessidades ao mesmo tempo em que contempla os objetivos organizacionais?
Com relação aos benefícios, quais poderão trazer maiores benefícios para os colaboradores?
Incentivo para psicoterapia? Plano de saúde? Oferta de ginástica laboral dentro da empresa? Subsídio para a prática de atividades físicas?
Há muitos caminhos na hora de um programa de saúde mental ideal, por isso é preciso analisar bem o que será oferecido.
Incentivar a prática de exercícios físicos
De acordo com a OMS, “saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a mera ausência de doença ou enfermidade”.
Essa definição nos ajuda a perceber que o bem-estar das pessoas depende de uma variedade de fatores, mas, sem dúvida, a prática de exercícios físicos faz parte da vida de uma pessoa saudável.
Há diversos estudos e pesquisas demonstrando os ganhos que mexer o corpo traz para a mente, ao mesmo tempo em que uma mente saudável também contribui para a saúde física. É uma via de mão dupla.
Por isso, considerar incentivos à prática de exercícios como a oferta de ginástica laboral, yoga no trabalho ou parcerias com academias, é super importante na hora de pensar na prevenção de acidentes de trabalho.
Treinar as lideranças
Como vimos nas diretrizes da OMS/OIT, um dos pilares para a promoção da saúde mental nas empresas está fincado na capacitação dos gestores.
As lideranças têm um papel super importante no cuidado dos colaboradores e na prevenção de acidentes de trabalho.
São os líderes que transmitem de maneira mais concreta a cultura organizacional e sabemos o quanto isso impacta na saúde do trabalhador.
Oferecer psicoterapia como benefício
Não há dúvida de que a psicoterapia é um suporte importante para prevenir o adoecimento psíquico dos colaboradores e também para ajudá-los a se recuperar quando já estão doentes.
A escuta de qualidade e o apoio de um profissional especializado ajudam as pessoas a lidar com situações difíceis, encontrando acolhimento e espaço para refletir sobre o que pode ser feito.
Analisar o que foi feito e implementar melhorias
Além de analisar antes de colocar as ações de promoção à saúde mental em prática, também será preciso monitorar como elas estão sendo recebidas pelos trabalhadores e quais os ganhos que têm trazido.
Essa análise é o que possibilitará a implementação de melhorias como o fortalecimento de certas ações ou o redirecionamento de outras.
Mesmo com um diagnóstico sendo feito previamente, é a prática que vai dizer se uma ação é ou não eficiente para sua empresa.
A Vittude é a única consultoria especializada em saúde mental corporativa, atuando como parceira na construção de programas de saúde mental para empresas.