Abandono parental na infância: como evitar traumas futuros?
5 de outubro de 2020
Tempo de leitura: 9 minutosO abandono parental pode resultar em uma série de traumas e complicações emocionais. As experiências da primeira infância são as mais importantes para o desenvolvimento sadio. Uma sequência de vivências negativas (maus-tratos, negligência, abandono) nesse período pode desencadear transtornos mentais em outras fases da vida.
Traumas formados na infância podem influenciar comportamentos, pensamentos, crenças, capacidade de gerir emoções, relacionamentos e até mesmo as conquistas dos indivíduos quando adultos.
O que torna a sua identificação complicada é a repressão de memórias e a falta de consciência sobre a influência do passado no presente.
O indivíduo pode acreditar que existe uma falha em sua personalidade ou maneira de pensar, obrigando-o a agir de maneira inadequada. Também pode pensar que não há correção para as suas falhas de caráter, fortalecendo a desesperança.
Além disso, este indivíduo pode nutrir diversas crenças negativas em relação aos laços familiares.
Como o abandono parental afeta o desenvolvimento da criança?
O psicanalista John Bowlby (1907-1990), idealizador da teoria do apego, afirma que a ausência de cuidados maternos ou paternos, ou de um cuidador substituto, conduz à tristeza, raiva e angústia.
No caso do desligamento do laço entre a criança e a figura parental, o desenvolvimento emocional pode ser afetado negativamente.
Esse desligamento diz respeito aos casos de adoção ou de abandono, quando a criança deixa um ambiente ou um modo de vida familiar e adentra um contexto não familiar. Essa mudança repentina gera desconforto, sofrimento e atraso na percepção do meio.
Durante a primeira infância, literalmente tudo é importante.
Os mínimos detalhes presentes na relação entre o bebê e os pais, especialmente a mãe por ser a cuidadora principal, podem interferir em seu desenvolvimento.
A qualidade do toque, olhar, fala e proximidade entre pais e filhos é sentida profundamente pela criança.
Como os pequenos ainda não possuem capacidade de compreender as emoções resultantes de ações e de palavras com todas as suas nuances, as sentem intensamente. As suas interpretações errôneas os guiam durante todo o crescimento até a vida adulta.
Quando o abandono parental acontece, a criança não consegue compreender a intenção do pai ou da mãe, ou entender os seus sentimentos em relação a ela. Assim, sente uma variedade de emoções negativas, que passam a ser parte de seu ser.
É importante compreender que o abandono não é sentido somente durante a infância ou logo após o ocorrido, no caso da renúncia literal do cuidado.
Ele cria uma marca no íntimo das crianças, a qual é sentida, consciente e inconscientemente, por toda a vida se não houver intervenção
Tipos de abandono parental
Embora a ausência física seja tipicamente associada ao termo “abandono”, existem outros tipos de negligência que afetam as crianças.
Abandono afetivo
Caracteriza-se pela negação do cuidado e da responsabilidade sobre o filho. O pai ou a mãe é indiferente e distante, tratando a criança como um estorvo em sua vida ou como se sua existência não importasse.
Esse incômodo pode ser expresso através de condutas inapropriadas, como distanciamento e recusa de cumprir atividades simples (ajudar com a tarefa, alimentar adequadamente, dar atenção quando a criança fala), ou por meio da fala (xingamentos, palavras ásperas).
A criança, sem saber o que fazer, pode buscar chamar atenção incessantemente, se retrair a ponto de não brincar, socializar ou falar normalmente, regredir a comportamentos muito infantis para a sua idade, ou rebelar-se através de atos delinquentes.
Abandono material
Ocorre quando a figura parental deixa de cumprir com suas obrigações de provedor. Um exemplo comum no Brasil é quando o pai separado da mãe se recusa a pagar pensão alimentícia ao filho, privando-o de receber alimento, material escolar, roupas e remédios.
Ele também pode ocorrer quando o dinheiro destinado ao cuidado com os filhos é utilizado para satisfação do prazer dos pais.
Por exemplo, em vez de comprar roupas novas para a criança, o pai ou mãe gasta a renda familiar com jogatina, festas, álcool, drogas ou objetos materiais para benefício próprio.
Abandono intelectual
Caracteriza-se pela privação da educação primária aos filhos, tipicamente feita entre 4 e 17 anos de idade. A figura parental não custeia o estudo da criança ou não se importa se ela frequenta ou não as aulas.
Quando a evasão escolar acontece, ele não a encoraja a retomar os seus estudos e permite que ela faça o que bem entender.
Essa atitude reduz as oportunidades de trabalho dos filhos, na idade adulta eles também podem ser enganados mais facilmente e ter dificuldades com tarefas simples devido à falta de conhecimento e de desenvolvimento das capacidades cognitivas básicas.
Impactos do abandono parental
Os impactos em longo prazo são sentidos, principalmente, na qualidade dos laços estabelecidos com terceiros no futuro. Eles tendem a ser superficiais e apresentarem debilidade na afeição e na conexão.
Afinal, a criança não pode oferecer um relacionamento saudável e cheio de amor ao outro se ela mesma desconhece o que é isso.
Os pequenos costumam se isolar e desconfiar de todos a sua volta. Também podem não saber como formar laços com as pessoas quando se tornarem adolescentes e/ou adultos.
Esse cenário também acontece quando há a busca excessiva pelo amor não recebido na infância. O indivíduo dá início a uma procura incessante por carinho e validação, aceitando permanecer em relacionamentos abusivos ou ter sua saúde mental ou física prejudicada.
A construção da personalidade da criança também é colocada em risco. Ela pode escolher se expressar, chamar atenção ou compreender os sentimentos ruins dentro dela por meio de comportamentos autodestrutivos, delinquentes, criminosos e sexuais.
A confusão para estabelecer uma identidade e/ou lugar no mundo também é comum. O indivíduo pode sofrer com dúvidas sobre o seu merecimento do amor e do sucesso, bem como pensar que é uma pessoa ruim já que sofreu abandono de alguém que deveria cuidar dele.
Outras dificuldades emocionais vivenciadas por pessoas que sofreram abandono parental na infância são:
- desconfiança exagerada;
- estilo de vida caótico;
- incapacidade ou dificuldade para demonstrar afeto;
- depressão e ansiedade;
- necessidade de satisfazer os demais, colocando em risco sua saúde mental e necessidades básicas;
- ciúmes excessivo e comportamento possessivo;
- carência intensa, a qual pode afastar as pessoas;
- incapacidade de gerir emoções, podendo apresentar humor volátil;
- dificuldade para lidar com adversidades e superar desafios, tendendo a fracassar e se frustrar;
- baixa autoestima, autodepreciação e ausência de amor-próprio;
- promiscuidade;
- busca (quase) interminável por alguém ou algo (realização profissional, maestria em uma habilidade, sucesso em um esporte) para preencher o vazio.
Como evitar traumas na adolescência e vida adulta?
A prevenção de traumas futuros depende do acolhimento que a criança receberá após o abandono parental, não importando o tipo. Ele pode ser feito através de um cuidador, tutor ou outra figura parental (pai ou mãe afetuoso ou parente).
Para isso, quem estiver cuidando do bebê ou da criança deve ficar atento aos seus comportamentos.
A falta de choro ou da vontade de brincar, conduta antissocial, apatia, letargia (pode ser um indicativo da depressão), manha excessiva, ansiedade, envolvimento em brigas ou destruição de brinquedos e objetos são indícios de perturbação emocional.
Nesses casos, a pessoa responsável deve ter paciência para lidar com as atitudes. A criança que possui uma determinada conduta negativa e a expressa com repetição não sabe como agir ou expressar suas emoções de forma saudável. É como um “pedido de socorro”.
Assim, o mais adequado é manter a calma e tentar conversar com a criança. Se o diálogo não for bem aceito imediatamente, pode ser feito em outra ocasião, quando ela estiver mais tranquila.
O acompanhamento de um psicólogo também é fundamental. Por meio da terapia, a criança encontra um ambiente seguro para se expressar e buscar acolhimento, além de ter condutas inapropriadas corrigidas para evitar sofrimentos futuros.
A ludoterapia é a abordagem psicoterapêutica utilizada com as crianças para alcançar esse e outros objetivos.
A terapia pode ser realizada por anos, acompanhando o crescimento e desenvolvimento cognitivo e emocional da criança.
Assim, o psicólogo pode ajudá-lo a vencer os traumas deixados pelo abandono parental antes de iniciar a vida adulta.
E se eu sofri abandono parental? Como superar?
Para quem compreende que não recebeu todo o amor merecido quando criança, a vida pode adquirir proporções dolorosas. Saiba que é possível curar o seu trauma bem como exercitar o perdão da pessoa que o abandonou.
Perdoar não significa aceitar um acontecimento ruim, mas, sim, permitir que as emoções negativas associadas a ele desapareçam de uma vez por todas. É uma maneira de encontrar ou construir um caminho para seguir adiante, além de se abrir para a felicidade e novas experiências.
Não é, porém, algo fácil. Por isso, você pode buscar a terapia para se libertar do passado, tratar as suas incertezas e incômodos emocionais e levar uma vida mais consciente e, simplesmente, mais feliz.
Os pensamentos intrusivos que afirmam que você não é merecedor ou existe algo de errado com você estão errados. Para iniciar o seu processo de cura, você pode buscar ajuda profissional na Vittude.