O Brasil é o 2º país com mais casos de pessoas que já “burnoutaram” ou estão passando pela síndrome de Burnout, segundo um levantamento do ISMA-BR. Logo, ele afeta boa parte dos trabalhadores e das empresas.
É fundamental, portanto, que os gestores de RH e saúde ocupacional conheçam o máximo possível sobre o assunto para orientarem sua equipe e conseguirem cuidar dos colaboradores de maneira eficaz.
A Tatiana Pimenta, CEO da Vittude, conversou com o Marcos Medanha, especialista em Burnout, num episódio super enriquecedor do Vittude Talks!
Marcos é médico, advogado, pós-graduado em filosofia e possui formação em psiquiatria ocupacional. A sua intenção ao estudar direito foi justamente entender melhor os aspectos da legislação relacionados à medicina do trabalho
Ele escreveu o livro “O que ninguém te contou sobre o Burnout”, que traz o conceito estabelecido pela Organização Mundial da Saúde através do Código Internacional de Doenças.
Continue a leitura para ficar por dentro dos principais tópicos deste bate-papo!
O Burnout foi descrito na CID 11, a última versão do Código Internacional de Doenças da ONU, na seção “Problemas relacionados ao emprego e desemprego” como uma síndrome gerada pelo estresse crônico no trabalho que não foi gerenciado com sucesso.
Desta forma, é extremamente importante salientar que o Burnout só existe em relação com o universo do trabalho.
A exaustão mental por trabalhos domésticos, de relacionamento e outros existe e também é um problema sério, mas não se configura como Burnout. Essa ressalva é importante porque é comum vermos capas de revista, artigos ou outras formas de comunicação cometendo este equívoco.
Além disso, existem três pilares essenciais para a caracterização deste fenômeno:
Outro esclarecimento fundamental a partir desta definição da ONU é que Burnout não é uma doença.
Aliás, segundo a organização, para que se chegue a este diagnóstico, deve-se excluir o diagnóstico de transtornos mentais como a ansiedade, a depressão, o Transtorno Pós-Traumático, o Transtorno de Adaptação, entre outros.
Essa diferenciação é necessária para um tratamento eficaz, mas isso não significa que a Burnout e a depressão ou a ansiedade, por exemplo, não possam coexistir. Afinal, uma elevada carga de estresse combinada com a falta de cuidado com a saúde mental podem levar ao desenvolvimento de transtornos também.
Um dos maiores problemas enfrentados no mundo corporativo hoje ainda é a resistência que muitos gestores de saúde ocupacional ou RH têm em relação ao desenvolvimento de um programa de saúde mental.
Para termos uma dimensão mais exata do problema, uma pesquisa do International Stress Management Association no Brasil (ISMA-BR) mostrou que, logo antes da pandemia, apenas 18% das organizações se preocupavam com a saúde mental dos colaboradores.
Sabemos que este número aumentou depois da pandemia, embora ainda não reflita a maior parte das empresas, mas é importante ressaltar que isso só aconteceu porque a situação tornou-se insustentável e as empresas mais atentas perceberam que as consequências seriam realmente graves.
Mesmo assim, esse receio ainda persiste e justamente porque os responsáveis por cuidar dos colaboradores não querem enfrentar uma realidade ruim. Mas o fato é que o adoecimento já está acontecendo e não fazer nada só vai piorar o problema!
Ao mesmo tempo, sabemos que um lucro de 400% é revertido para as empresas quando há uma postura madura com a saúde mental dos colaboradores.
Desta forma, o questionamento mais resolutivo é: quanto você já está gastando pela falta de cuidado com a saúde mental hoje? Porque esse dinheiro que está sendo minado pelo INSS não vai ter nenhum retorno positivo.
Além disso, um colaborador afastado sem uma nova contratação, mesmo que temporária, sobrecarrega outro colega. E esta pessoa que está sobrecarregada, com o tempo, tem grandes chances de adoecer e será outro colaborador que precisará ser afastado.
Veja, então, como a recusa em adotar uma postura de liderança gera diversos efeitos rebote para a própria empresa e também para o seu futuro nela.
Já uma ação responsiva significa trabalhar dois pilares de uma estratégia de ESG: o Social, porque estamos falando da responsabilidade social com os funcionários diretos, e a Governança, que gera aumento da lucratividade e melhora da imagem da empresa.
Michael Leiter, professor emérito da Universidade de Acadia, no Canadá, e Christina Maslach, psicóloga e professora da Universidade da Califórnia, são dois dos principais especialistas mundiais em Burnout.
De acordo com as suas pesquisas, podemos listar seis riscos ocupacionais gerados pelo Burnout e que devem ser considerados pelas empresas.
Ao contrário do que se pensa, sobrecarga de trabalho não é só fazer horas extras. Um trabalhador que trabalha oito ou até seis horas por dia, mas que não tem os recursos necessários – materiais ou físicos – para fazer o seu trabalho, também está constantemente sobrecarregado.
Com o tempo, isso pode gerar cansaço, que evolui para a fadiga e Burnout e, além disso, ainda pode culminar em transtornos mentais. Além do adoecimento físico, que pode vir junto.
Dar ao trabalhador autonomia para realizar sua melhor performance é o contrário de microgerenciá-lo.
Ou seja, essa pessoa vai passar por um treinamento, aprender tudo sobre a empresa e quais as expectativas dos empregadores; mas, depois, precisa ter liberdade para fazer o que foi contratada para executar. E não ser fiscalizada o tempo todo.
Isso aumenta a pressão desnecessariamente e mostra ao colaborador que você não confia totalmente nele. Algo que é absolutamente fundamental em qualquer relação saudável, inclusive as de trabalho.
Por tudo isso, o engajamento deste funcionário diminui. E, novamente de acordo com a Christina Maslach e o Michael Leiter, o engajamento no trabalho é o oposto de Burnout.
Resumindo: mais autonomia gera mais engajamento e mais microgerenciamento gera mais exaustão.
Cada vez mais as pessoas não estão apenas interessadas nas recompensas financeiras, ou seja, o salário que ele vai receber ao final do mês trabalhado.
Mas é muito diferente ganhar R$5.000 numa empresa com líderes tóxicos, sobrecarga de trabalho, poucos benefícios e numa empresa com um clima organizacional ótimo, uma jornada de trabalho flexível e benefícios para o colaborador e toda a sua família.
Uma pesquisa da Vittude em parceria da Opinion Box mostrou, por exemplo, que 72% dos trabalhadores brasileiros pediriam demissão da empresa em que estão para trabalhar num lugar que cuide da saúde mental dos colaboradores.
Esse “salário emocional” é algo cada vez mais importante para as gerações mais novas, como millennials e a geração Z, que já ocupam mais da metade dos cargos.
Relações saudáveis no ambiente de trabalho, seja ela vertical ou horizontal, só existem quando há uma comunicação que também seja saudável.
Um ambiente que tem casos de assédio moral, por exemplo, deixam os funcionários extremamente desconfortáveis. E, quando isso acontece, já foi dito adeus à segurança psicológica – que pode ser considerado um fator de risco para o Burnout.
Uma das alternativas é, por exemplo, oferecer um treinamento que tenha como base a inteligência emocional e a Comunicação Não-Violenta. Partindo dessa base, é muito mais fácil oferecer um ambiente que seja acolhedor, respeitoso e que faça os profissionais sentirem que pertencem àquele lugar.
Isso, novamente, aumenta o engajamento – algo que você já viu ser fundamental para combater a síndrome do esgotamento profissional.
Sentir que você foi vítima de uma injustiça no ambiente de trabalho é uma experiência muito negativa para qualquer pessoa. Isso pode afetar tanto líderes quanto colaboradores quando a organização não tem regras pré-estabelecidas.
Essas regras sozinhas, no entanto, podem não ter o resultado esperado. É preciso que todos acreditem nessas regras e, mais do que isso, que existam mecanismos para garantir que elas serão cumpridas.
Isso evita a discriminação no ambiente profissional, o que já é algo muito valioso, mas também gera segurança psicológica criando esse espaço para que cada um possa dizer como está se sentindo.
A partir daí, os problemas podem ser trabalhados para que todos voltem a sentir-se bem e possam executar seu trabalho com o máximo de produtividade.
Contratar candidatos que tenham o melhor alinhamento possível com a organização é fundamental. E, neste caso, é papel dos profissionais de RH promover isso.
Uma pessoa cujos ideais e objetivos de vida são muito diferentes daqueles que fazem sentido para a empresa que a contratou vai adoecer.
E, sendo o processo seletivo responsabilidade do RH, também cabe a este departamento prevenir que esta pessoa adoeça. Não significa que ela será desligada, mas significa que precisará ser ainda mais cuidada.
A jurisprudência nos mostra que se um colaborador tem uma predisposição à perda auditiva, por exemplo, é obrigação de quem o contratou garantir que esse quadro não seja piorado pelas condições de trabalho estabelecidas.
Este último pilar requer, então, muito cuidado e atenção. É preciso reforçar a sensibilidade e a percepção sobre o outro para evitar problemas maiores, tanto para o colaborador quanto para a organização.
Infelizmente o “trabalhe enquanto eles dormem” ainda é um comportamento tóxico muito valorizado pela nossa sociedade do desempenho. Por causa disso, o chamado workaholismo ainda existe e, como já foi provado, prejudica muito a qualidade de vida dos trabalhadores que mantêm essa relação adoecida com o trabalho.
Aliás, esse é o ponto central: enquanto colaboradores engajados – ou work engaged – têm uma relação saudável com o trabalho, workaholics tem uma relação abusiva com ele.
Os primeiros não se preocupam em entregar além do que foi pedido, mas trabalham com vontade e desempenham sua função com excelência. Já os segundos têm uma relação de dependência e obsessão com o trabalho.
Se eles fazem só o que foi pedido, sentem-se culpados e acham que estão fazendo pouco demais. Mantém um nível de cobrança tão alto sobre a sua performance profissional que esta se torna instável e, em algum momento, começa a cair ao mesmo tempo em que ele começa a apresentar sintomas de transtornos psicológicos ou até mesmo o próprio Burnout.
E isso se reflete na sua vida pessoal. Afinal, quem trabalha demais normalmente não tem tempo para a família, para os amigos e nem para si mesmo. Ele vive para o trabalho e mantém uma relação de vício com ele.
Assim, é fundamental que as empresas conscientizem os colaboradores e incentivem o equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Inclusive para o bem da própria organização!
É muito importante que este seja um tópico importante na cultura da empresa, refletido em rodas de conversa, normas institucionais e até treinamentos, caso seja necessário.
Além destes tópicos, essa conversa entre a Tati e o Marcos Mendanha ainda abordou:
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